Sem pretender ser uma análise detalhada dos “resultados” finais da COP26, que decorreu na cidade escosesa em título de 31 de outubro a 12 (de facto 13) de novembro, neste texto se mostra e sublinha a gravidade do problema com que a Humanidade está confrontada e a falta de respostas à altura, mormente naquela cimeira, das imperiosas necessidades. “Nem sequer se conseguiu avançar num calendário para o abandono do combustível fóssil mais poluente, o carvão”, acentua-se – sendo certo que o próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, embora diplomaticamente falando de alguns passos positivos, reconheceu ter-se ficado muito longe do desejável.
Fazer o balanço da Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, COP 26, é uma tarefa fácil e difícil. Fácil para quem queira seguir o método da lista de compras, isto é, confrontar os assuntos inscritos na agenda de Glasgow com o que efetivamente foi conseguido. Difícil, para quem queira ir um pouco mais fundo, arriscando-se a propor uma interpretação sobre o sentido essencial da atual diplomacia ambiental e climática. Mas para isso, importa ir para além do véu das aparências.
1. A agenda manifesta da COP 26. A agenda manifesta de Glasgow não era demasiado ambiciosa. Ainda o era menos nas expectativas, pois à partida existia um sentimento consensual de que as coisas não iriam correr bem. Na verdade, as expectativas negativas foram cumpridas. A tentativa de encontrar um código de conduta (Rule Book) que fizesse o Acordo de Paris ser algo mais do que uma reunião de países que fazem promessas mútuas que podem não cumprir sem consequências, isto é, um clube de potenciais mentirosos, falhou.
A garantia de que os países ditos mais desenvolvidos (traduzindo: os países que há mais tempo organizaram sistematicamente a depredação do ambiente, incluindo a carbonização da atmosfera) deveriam financiar anualmente em 100 mil milhões de dólares as medidas de mitigação e adaptação dos países menos desenvolvidos, terminou a meio do caminho, com o encolher de ombros, ou o tradicional “trataremos disso mais à frente…”.
Desde 1992, quando no Rio de Janeiro se discutiu a Agenda 21, que se fala nesse montante e em nenhum ano, até agora, ele foi atingido (para termos uma unidade de medida: nos primeiros cinco anos da invasão do Iraque, entre 2003 e 2008, os EUA gastaram 3 biliões de dólares no esforço de guerra, o equivalente a 30 anos do tal financiamento anual global pedido a todos os países desenvolvidos…).
Nem sequer se conseguiu avançar num calendário para o abandono do combustível fóssil mais poluente, o carvão. Até a Alemanha, que tanto se gaba da sua ousadia ambiental, está a arrastar os pés e a alargar a área de exploração de minhas de carvão, como é o caso de Garzweiler, na Renânia do Norte-Vestefália, onde aldeia após aldeia, centenas de famílias têm sido expulsas dos seus lares.
Um estudo recente (Production Gap Report 2021) do Programa de Ambiente das Nações Unidas (UNEP) e do Instituto de Ambiente de Estocolmo (SEI) não aponta para qualquer redução nem das emissões nem da concentração de gases com efeito. Na verdade, em 2030 o desvio em relação à meta de 1,5 º C poderá ser de 240% para o carvão, de 71% para o gás natural e de 57% para o petróleo. Desde Janeiro de 2020, os países do G20 já subsidiaram os combustíveis fósseis em cerca de 300 mil milhões de dólares, superando em muito o apoio às energias renováveis.
Encaminhamo-nos para chegar a 2030, não com uma radical diminuição das emissões, como seria necessário, mas com um aumento das mesmas em 16%, relativamente ao ano de 2010. Sobretudo, aquilo que Glasgow nos revela é a mediocridade e venalidade dominantes nas elites políticas, cujo desempenho se afere pela fidelidade com que servem os seus verdadeiros patrões, os grandes interesses económicos. Como cidadãos, o que nos espera é sermos vítimas. Na verdade, se ficarmos à espera dos governos e dos tratados internacionais, será mesmo isso aquilo em que nos tornaremos.
2. A Agenda real da COP 26. Se o Acordo de Paris não serve para enfrentar as alterações climáticas e as suas causas, então serve para quê?
Em primeiro lugar, serve para tentar sossegar as opiniões públicas com a ilusão de que há alguém ao leme desta Jangada de Medusa em que o planeta Terra se transformou. Alguém que simula estar preocupado em evitar o naufrágio.
Em segundo lugar, as COP tornaram-se numa espécie de Feira Mundial das Indústrias, onde toda a gente (países, multinacionais, lobistas, etc.) aparece, não para cooperar ou para se abraçar em pactos de solidariedade coletiva, mas para conhecer o que é que os inimigos e competidores têm na manga. A crise ambiental e climática, com o seu aumento exponencial de sofrimento humano é já, e será cada vez mais, o mais lucrativo ramo de negócio do trágico século XXI.
Todos os Estados e todas as empresas afirmam pretender dar a sua ajuda para combater as alterações climáticas e salvar a humanidade. Contudo, esses Estados e empresas colocam como condição prévia salvarem-se a si próprios! As COP tornaram-se grosseiras no desfilar de salvadores que apresentam a perpetuação do seu coiro e cabelo como sinónimo da redenção humana: os veículos elétricos, o sequestro industrial de carbono, as centrais nucleares, a geoengenharia…
As mesmas forças que conduziram ao pântano onde mergulhámos, querem convencer-nos de que se pusermos o pé no acelerador do crescimento económico iremos conseguir ver a luz ao fundo do túnel. A estultícia e falta de vergonha é tanta que se chegou ao ponto de falar em “crescimento verde”, um oxímero indecente que agride até a inteligência dos mais ingénuos.
3. O que nos ensina Schopenhauer. O crescimento transformou-se num autómato que nenhum poder consegue nem quer travar. Em nome da prosperidade atual, conseguida com entropia e simplificação da biosfera, estamos a retirar o chão àqueles que esperam o futuro como o seu tempo de presente. É perturbante, face a esta vertigem expansiva, perceber como a maior parte das grandes mentes que estudámos e respeitámos se afastaram dos detalhes críticos que poderiam antecipar a perplexidade da nossa situação atual.
Retiremos desta liça o grande Kant, que deixou cravado no solo a sua ética da liberdade. Talvez tenha pressentido a patética enxurrada dos profetas utilitaristas da felicidade material a todo o custo, recebendo o aplauso de multidões ansiando saciar a sua fome de milénios. O que sobra hoje da lição de todos aqueles que se ergueram como mestres maiores da história e da condição humana, de Hegel a Marx, de Adam Smith a Hayek? Ídolos partidos.
Em contrapartida, o esquecido Arthur Schopenhauer – de que alguns, como Freud, foram inconfessados discípulos – nunca quebrou os laços entre o humano e o resto do mundo, considerando os poderes da razão humana, como uma potência bem frágil perante a luta titânica, ontológica e universal, que rege o ser: o confronto entre uma vontade – para nós inexplicável e indomável, que é fonte de todos os entes e que a todos aniquila – e a representação, onde se abriga a ilusão da individualidade, que na consciência humana atinge uma expressão tão lúcida quanto dolorosamente trágica.
Para Schopenhauer, uma cultura que troça do primado do Mundo / Natureza, enaltecendo a desmesura desenraizada do Eu, qual bezerro de ouro, jamais poderia ser mais do que um efémero balbuciar no silêncio do tempo cósmico. Por isso, o caminho que nos resta é a da coragem da compaixão mútua.
A reconstrução de uma nova política para os tempos sombrios que nos esperam talvez possa começar, como propunha Schopenhauer, pela mudança no modo como nos tratamos uns aos outros. Em vez de “Senhor (a) “, deveríamos tratar o próximo como “Companheiro (a) de sofrimento” (Leidensgefährte).