Iniciativa com o apoio da CGD
Não há “árvores bombeiras”, os eucaliptos não são uma espécie mais combustível do que as outras, não há mais incêndios em anos de eleições autárquicas e os fogos florestais não são provocados por gente com uns tenebrosos interesses económicos. Estes são alguns factos que Carlos da Camara, um dos investigadores portugueses com mais anos de trabalho em incêndios florestais, partilhou esta terça-feira, na Guarda, durante um Encontro Fora da Caixa, um evento da Caixa Geral de Depósitos (com tem a VISÃO como parceira de media).
Na sua apresentação, “O desafio da prevenção de incêndios florestais”, o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa começou por explicar por que razão nos devemos preocupar com desvios mínimos de temperatura. “Um pequeno piparote na temperatura vai fazer com que a ‘região’ [probabilística] dos extremos climáticos aumente. Além disso, leva a que haja mais variabilidade. Se juntarmos as duas coisas, vamos ter muitos mais extremos. E isso já se começa a notar, não só na temperatura, mas também no ciclo hidrológico, com mais secas e grandes precipitações. É por isto que Guterres se preocupa e diz que 1 grau centígrado ou 1,5º C é crucialmente diferente. Os extremos dependem disto, do desvio padrão.”
O climatologista recordou a “regra dos três trintas”, que criam as condições meteorológicas que alimentam os incêndios: temperatura a 30º C, humidade inferior a 30% e vento superior a 30 km/h (a que ele próprio junta um quarto – 30 dias sem chover). Foi essa mistura explosiva, lembrou, que esteve na origem dos fogos trágicos de 15 de outubro de 2017, que mataram pelo menos 36 pessoas.
Más e boas notícias
Mesmo com vento, calor e seca, sem ignição não há incêndio. Carlos da Camara aproveitou este ponto para demonstrar, com dados, que a ideia de que há interesses obscuros por trás da maioria dos incêndios é uma ficção. “Ao contrário do que se pensa, a maior parte dos fogos são investigados, e as investigações não conclusivas são uma minoria. A esmagadora maioria dos incêndios tem que ver com uso do fogo: as pessoas fazem queimadas em dias em que não podem fazê-lo. Incendiarismo? Sim, há, mas são pessoas com problemas mentais e casos de ajustes de contas. A negligência devido à queima de sobrantes é a grande causa. É importante sabermos isto, porque nos ajuda a combater ou a mitigar este problema.” Foi precisamente o que aconteceu nos incêndios de 15 de outubro de 2017, acrescentou.
O climatologista aproveitou ainda para derrubar outras ideias feitas, sobretudo a que aponta o eucalipto como fonte de todos os males. Dando como exemplo o grande incêndio de Monchique em 2018, comparando imagens de satélite das zonas ardidas com as do coberto vegetal, Carlos da Camara mostrou que a diferença não esteve nas espécies de árvores, mas sim na gestão. “O que isto mostra é que a floresta gerida não ardeu. Nunca ninguém me demonstrou a existência de ‘árvores bombeiras’. Nos fogos grandes, até arrozais e montados ardem. E é completamente falso que o eucalipto arda mais do que as outras árvores. Não há estudo nenhum que o demonstre.”
Do mesmo modo, e ao contrário do que há muitos anos se comenta, “não é verdade que em anos de autárquicas a floresta arda mais”.
A pressão sobre as florestas tende a aumentar, devido às consequências do aquecimento – e isso já é visível hoje. “Os dados mostram o aumento da área ardida em Portugal desde 1980, o que é um efeito dramático das alterações climáticas.” Anos com uma área ardida superior a 200 mil hectares, que tinham um período de retorno de 10 anos, estão agora a ocorrer a cada sete anos.
Mas nem tudo são más notícias. “A partir de 2017, aprendemos algumas lições. As pessoas começaram a fazer menos ignições e os mecanismos estão muitíssimo melhores. Há uma mudança de mentalidade.”