O desafio parecia simples e foi atirado para cima da mesa citando o brasileiro Millôr Fernandes: “O pessimista é mais feliz porque, corra bem ou corra mal, ele fica sempre satisfeito”, instou o moderador, o diretor da EXAME, Tiago Freire, antes de passar a palavra a Paulo Bento, do INDEG-Iscte Executive Education. Afinal, como ter um Portugal otimista, e como fazer com que esse ânimo se reflita nas empresas? O tema deu mote ao sexto painel do segundo dia do Visão Fest.
“Considero que o sucesso é determinante no otimismo”, começou por dizer o especialista. “É difícil uma pessoa ser otimista sem estar rodeada de pessoas de sucesso”. Admitiu ainda que lhe é difícil destrinçar o sucesso profissional do resto dos sucessos e defendeu que o importante é “falar sobre o que é ter sucesso na vida”, esclarecendo que a aprendizagem tem que ser um pilar fundamental na discussão. Bento salientou o facto de o aumento da esperança média de vida mudar significativamente aquilo que são os desafios atuais dos jovens, lembrando que “quem hoje está a entrar no ensino superior vai viver até aos 100 anos”, o que significa que “esta coisa de as nossas famílias e universidades nos prepararem para uma carreira é um disparate completo”, uma vez que possivelmente estas pessoas vão ter três diferentes carreiras consoante o ciclo de vida em que se encontrem. E, portanto, importante é “preparar as nossas crianças para o facto de terem carreiras até aos 100 anos sem crises existenciais”, sem períodos de negativismo que possam afetar o seu desempenho no médio prazo. Lembrou ainda que o “sucesso coletivo não é uma soma aritmética dos sucessos de cada um de nós”, pelo que ter um olhar abrangente do mundo é fundamental.
Organizado num formato de “short-talks”, ou pequenas palestras, o painel continuou com a intervenção do supersónico Alexandre Fonseca. O CEO da Altice pediu para fazer a intervenção de pé e arrancou sorrisos de surpresa da plateia pela velocidade do discurso, sem nunca perder o fio à meada. Centrando-se na transformação digital a que assistimos, o responsável decidiu destacar a importância daquele que considera um dos mais relevantes deste novo paradgima: o desafio da humanização. “A tecnologia tem por último objetivo a melhoria da qualidade de vida das pessoas”, afirmou. Por isso, e porque o mundo é feito de sucessivos momentos de calma e de convulsão, é preciso pensar em como se conseguirá “atrair, adaptar e transformar o capital humano e de sociedades em prol dos nossos resultados em momentos de turbulência”, começou por defender. “Humanizar a gestão é fundamental”, continuou, recordando o fundador da Microsoft. “Bill Gates dizia que era fundamental criar trabalhadores do conhecimento”. Temos que ser “capazes de aumentar a literacia digital de uma sociedade. A sua inteligência emocional. Temos que aumentar a nossa capacidade de nos relacionarmos, não só uns com os outros, mas com a sociedade e com a tecnologia. Este é o fator que nos separa das máquinas”, recordou.
Uma ideia que pouco depois seria corroborada por João Vasconcelos, ex-secretário de Estado da Indústria, que pediu para se desdramatizar o apogeu da tecnologia, e para virar o foco para aquilo que é o potencial do Homem. “O humano deve fazer coisas que só um humano pode fazer, e o que digital está a trazer é uma histórica valorização de tudo o que tem que transmitir uma emoção; de tudo o que tem que ter emoção humana. Tudo o que é caro vende-se porque é feito à mão, porque tem que ter um sentimento”, afirmou pedindo à plateia que recordasse as lojas “que estão naquela avenida aqui ao lado” [a Avenida da Liberdade] e perguntando se alguma delas iria afirmar aos seus clientes que o que tinha para vender era feito por robôs. “O luxo vive do humano. Hoje é viável viver de um turismo rural com 5 quartos no meio do Alentejo, porque o digital me permite chegar ao cliente final. É preciso usar o digital para colocar os humanos a tocarem-se, a cheirarem-se. O setor mais digitalizado do mundo é a música: e nunca houve tanta gente em concertos ao vivo como hoje”, atirou.
E se Alexandre Fonseca terminou a sua intervenção com uma frase de Steve Jobs – “Não tenhamos pressa, mas também não percamos tempo” -, João Vasconcelos pediu precisamente para que Portugal não se esquecesse de que este é o seu tempo. O País, recordou, nunca tomou parte ativa em nenhuma das três revoluções industriais. “Nem nos apercebemos de que estavam a acontecer”. Hoje, na atual revolução “em que aparecem várias tecnologias ao mesmo tempo, e não apenas uma […] Portugal pode, pela primeira vez, fazer parte de uma revolução industrial”, instou. “Porque pela primeira vez a localização não é fator de exclusão. A única coisa que temos que saber é se queremos fazer parte disto ou não!”, atirou em jeito de desafio. “E isto é muito mais importante para nós do que para o mundo todo. Para quem vive em Londres, Paris ou Amesterdão esta é mais uma revolução. Para nós, esta é a chave. Pela primeira vez, temos empreendedores portugueses taco-a-taco em qualidade e modelos de financiamento com empreendedores de todo o mundo”. Ou seja, não faltam razões para alimentar o otimismo português.
O empreendedorismo vive do otimismo
As duas últimas intevenções ficaram guardadas para os responsáveis de duas start-ups portuguesas com mais sucesso no estrangeiro: Miguel Pina Martins, fundador da Science4You, e Vasco Pedro, fundador da Unbabel.
Ambos aproveitaram os seus próprios exemplos para falar de otimismo recordando que só com ele é possível levar uma start-up avante. Vasco Pedro levou mesmo a ideia um pouco mais adiante, deixando no ar a teoria de que não sabe bem “se é otimismo ou se é não ter a noção do perigo”. Ambos afirmaram que a resiliência é fator determinante para conseguir montar um negócio, e que a sorte é também fundamental. “Eu tive a sorte de me sair, no projeto de final de curso, o papel que dizia que tinha que desenvolver um plano de negócios para uma ideia de ‘kits de Física’…”, contou. “Com 1.250 euros, peditórios e algumas rifas conseguimos [ele e os co-fundadores] abrir uma empresa, e hoje vendemos mais de 50 milhões de euros. E fiz muita bodega – para não dizer outra palavra – no percurso”. A empresa, acrescentou, “é uma ideia engraçada mas não é a Google nem o Facebook, nem uma coisa completamente disruptiva. Não é, infelizmente, nada do outro mundo”, salientou. Portanto, remataria, “se um miúdo com 22 anos conseguiu pôr isto a funcionar, toda a gente tem que perceber que é possivel haver muito mais Science4you, com ideias até melhores, com pessoas mais experientes e possivelmente com mais dinheiro. Portugal precisa [disso] e a nossa economia global precisa disso]”. Para isso, acrescentou, nada mais é preciso a não ser uma boa dose de otimismo. E trabalho.
Já Vasco Pedro sublinhou o otimismo como condição essencial à vida de uma start-up. “A start-up começa com a certeza de que pode falhar. A probabilidade de falhar é de 95% – e a prova é que esta é a minha 4ª start-up. As outras falharam”, atirou com uma gargalhada. Hoje, com mais de 100 pessoas a trabalhar e escritórios em Portugal e nos EUA, garante que o segredo do negócio é, não só trabalhar bem e ser otimista como convencer “as melhores pessoas a juntarem-se a nós”. E claro, é preciso muita persistência:”A uma dada altura tivemos de despedir metade das pessoas”, contou. “E uma semana depois conseguimos levantar investimento novamente. É uma montanha russa de emoções. Essa persistência é importante: acreditar em nós e acreditar que é possível continuar”.
Tendo sobrado pouco tempo para o debate, os intervenientes responderam apenas à pergunta atirada pelo diretor da EXAME: Os portugueses já não têm medo de ter sucesso? E a resposta, desta vez, foi unânime. Ainda é preciso trabalhar a forma como lidamos com os erros e os falhanços, mas as novas gerações estão claramente a ser a alavanca dessa mudança. Paulo Bento salientou a necessidade de melhorar a confiança nas intituições – Portugal é dos países que menos confia na justiça, nos políticos e nas pessoas que não sejam da família e é preciso “não ter pejo em dizer que em algumas indústrias já somos os melhores do mundo”, remataria Alexandre Fonseca.
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