Em Tábua, a noite passada só a equipa de repórteres da VISÃO e mais meia dúzia de pessoas não sabiam que o espetáculo solidário de Ricardo Araújo Pereira era no Multiusos da vila beirã. Chegámos cedo à porta do Centro Cultural e esperámos – nós e mais algumas pessoas dentro dos carros. O tempo estava a passar e aquele lugar continuava impávido e sereno, às escuras e fechado a sete chaves. Valeu aos mais distraídos a destreza de um senhor que disse: “É no Multiusos, venham atrás de mim.”
Num outro ponto de Tábua o vaivém de carros fazia crer que estávamos perto e por um triz sem atraso. Com o parque de estacionamento cheio, a fila de pessoas foi-se formando para entrarem. Pela porta do pavilhão passaram 860 espectadores, um público bastante variado, com crianças ao colo já a dormirem e tudo. Cada um pagou dez euros pelo bilhete, angariando assim 8 600 euros que juntaram a um fundo criado pela autarquia que já acumulou mais de 18 500 euros.
21h46. Ricardo Araújo Pereira entra pela porta mesmo atrás do palco e aguarda. Alto, elegante, de fato escuro e camisa branca, como é habitual, veio diretamente do restaurante Toino Moleiro onde jantou e bebeu boa pinga da terra. Há de ser com essa informação que começa a conversar sobre assuntos. Esta mini digressão solidária, que o humorista e guionista começou depois dos incêndios de outubro, vai prolongar-se em 2018. Muitas das câmaras municipais contactadas, por terem ficado sem forma de comunicar, sem internet para aceder ao e-mail, por exemplo, já só conseguiram responder recentemente. E o novo calendário está a ser pensado.
Ajudar às vezes não é fácil
Sempre que regressa a casa, Ricardo Araújo Pereira sente-se egoísta. “Só se tem a ganhar. As pessoas que vêm, claro que ajudam a região porque fazem movimentar isto tudo, mas comem bem e barato, ficam bem alojadas, respiram ar puro, olham para o céu e veem as estrelas mesmo e conversam com as pessoas da zona. Ainda no outro dia comprei louça preta de barro e aprendi que o barro é todo igual”, explica à VISÃO antes de subir ao palco.
Para o humorista a experiência tem sido “muito comovente”. “No outro dia, em Proença-a-Nova, no fim desta fantochada que faço, sobem ao palco os presidentes de câmara de Proença, Oleiros e da Sertã e dividem a receita do espetáculo consoante as necessidades de cada zona. Também tem sido interessante ver como as autarquias estão a tentar descobrir qual é a prioridade, porque ajudar às vezes não é fácil.”
Mas há esperança no meio disto tudo. Em Viseu, perguntou ao presidente da câmara como é que as pessoas estavam a reagir, e o autarca respondeu-lhe: “Meu amigo, os beirões não se deixam abater.”
‘É só uma pessoa a falar convosco’
Foram duas horas de puro improviso. Nunca Uma Conversa Sobre Assuntos será igual a outra, pois são as perguntas vindas da plateia que alavancam o alinhamento. Mas de uma coisa fiquem cientes – falar do Benfica e das filhas são dois dos temas mais queridos. Ricardo consegue a proeza de lembrar-se das vitórias do seu clube nos dias em que as filhas nasceram. Este lado enciclopédico dos seus conhecimentos futebolísticos arrancam valentes gargalhadas ao público.
Em Tábua, o “especialista em quase tudo” começou por ser elogiado pela forma como trata a Língua Portuguesa e daí a dizer o que o irrita no Acordo Ortográfico foi um ápice. Os ouvintes da Rádio Comercial estão por todo o País e houve espectadores que fizeram questão de lhe agradecer as gargalhadas matinais que provoca. “Nunca fiz uma coisa com tanta repercussão na minha vida”, justifica. Então e o Gato Fedorento, que até fizeram dois sketches a brincar com Tábua? “Não vão regressar”, explica Ricardo, pois os outros três companheiros têm as vidas muito ocupadas: “o Zé Diogo tem uma padaria em cada esquina de Lisboa, o Miguel Góis tem quatro filhos que lhe escavacam tudo e o Tiago Dores casou e teve um filho há pouco tempo. Só eu não tenho nada que fazer.”
As pessoas querem saber a sua opinião sobre vários temas e há quem lhe fale sobre a designação “o Interior do País”, e ele é muito claro defendendo que Portugal é todo Litoral e “quando arde Tábua, arde a minha casa. Somos poucos, somos pequenos e somos coesos. Já viu em Espanha? Ninguém quer ser espanhol.”
Com algumas crianças na plateia, são os mais jovens que lhe falam da existência dos youtubers, “aqueles vídeos em que caem melancias do segundo andar”, da Black Friday e até do fim da pesca da sardinha e Ricardo está preocupado com isso, pois em Portugal interessam-lhe o clima, a Língua Portuguesa e a comida.
Os temas controversos também vieram à baila ora com os livros de Sócrates, ora com Trump, “depois do primeiro Presidente negro, veio o primeiro Presidente cor-de-laranja. Há um cheirinho a fim do mundo.”
A noite já vai longa e resvés à meia-noite garante: “Para o Panteão não vou nem morto”. Nunca se sabe, pois com tanta ovação de pé é bem provável que seja um dos novos ilustres preferidos dos portugueses.
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