Génio, nada menos do que a palavra génio pode ser aplicada a um escritor como Fiódor Dostoievski. Génio da consciência humana, do obscuro que há em cada um de nós. Génio da capacidade de transpor esse correr da consciência – da mais luminosa à mais ambígua e negra – para as palavras, criando um universo que muitos críticos comparam ao de Shakespeare: amplo, complexo, capaz de albergar toda a dimensão do humano, como se escrevesse a partir do interior de cada personagem que cria e, em cada uma dessas personagens, desenhasse um mapa intrincado da Humanidade.
Fiódor Dostoiveski, o homem que escreveu Crime e Castigo, Os Irmãos Karamazov ou Cadernos do Subterrâneo, nasceu em Moscovo, em 1821, e morreu aos 59 anos, em 1881, na cidade de S. Petersburgo, onde passou grande parte da sua vida. Jornalista e escritor, foi antes engenheiro e serviu como tal no exército. Admirador de Shakespeare e de Schiller, era hábil a “dramatizar o caráter e a personalidade”, como sublinhou o crítico Harold Bloom, que lhe chamou um autor indispensável: “as suas sátiras, justamente como as de Jonathan Swift, denunciam o nosso egoísmo, a nossa crueldade, as nossas hipocrisias e, sobretudo, a paralisante consciência de nós.”
Estreou-se nos livros com Gente Pobre, um romance epistolar que lhe valeu a admiração dos leitores e que a crítica declarou uma obra-prima. Hoje, é dos livros menos lidos e conhecidos deste que é um dos mais influentes autores ocidentais. Conheceu o exílio na Sibéria acusado de conspirar contra o czar Nicolau I e, durante o longo período de trabalhos forçados, ia escrevendo. Foram dez anos de ausência involuntária de S. Petersburgo. A maior parte dessas notas perderam-se, mas a memória desses tempos estaria presente nas obras seguintes e no modo como olharia o mundo, a própria vida e a ideia de servidão que marcou grande parte da sua melhor literatura, uma relação complexa, conflituosa, paradoxal, onde noções de bem e de mal são obsessivamente dissecadas. Na prática, desejou uma revolução que passaria pela libertação dos servos na Rússia. E isto era apenas no princípio da imensa obra que estava para vir e o imortalizou, entre altos e baixos, como um dos protagonistas que criou. Ele sabia do obscuro humano.