Localidade: Alcochete
O Clube de Leitura em Voz Alta de Alcochete (CLeVA) leu… em voz alta, claro está
Livro: A Quinta dos Animais – George Orwell
Conversas Livrásticas
Localidade: Leiria
Link: http://flamesmr.blogspot.pt (o Clube foi criado pelo Blogue FLAMES)
Livro: A Quinta dos Animais – George Orwell
Opinião/análise por Rosário Oliveira
Ao (re)ler este livro, hoje, um livro que foi escrito pelo autor para discordar do estalinismo e do culto da personalidade, não posso deixar de pensar no que devia ser um bom líder.
Neste livro-fábula, um porco à beira da morte deixa um legado. Instigados por essa ideia, os animais iniciam uma rebelião, formam um grupo com os mesmos objetivos numa comunidade onde todos são iguais, têm os mesmos direitos e os mesmos deveres, instituindo um hino e sete mandamentos para se regerem e terem como lema de vida.
No início tudo corre bem. O inimigo é o homem e as vitórias conseguidas são sobre este inimigo, mas pouco a pouco, adensa-se a supremacia dos porcos. Como há dois que se destacam, um deles elimina o outro, fazendo-o desaparecer para sempre e transformando-o em bode expiatório de todos os males que surgem na quinta. Napoleão, o líder, prepara a sua ascensão de forma velada usando os cães como seus aliados e protetores para defesa pessoal e as ovelhas como propagadoras do seu slogan. Usa o porco Tagarela como seu assessor e mediador e praticamente sai de cena para gozar os prazeres da vida, enquanto os animais trabalham para si, tal como dantes o faziam para o dono da quinta, continuando a passar fome, frio e calor, conforme a época. Eles acreditam que vivem agora melhor do que antes, porque trabalham para seu benefício e são livres. Não conseguem perceber que o poder mudou apenas de formato.
Nesta história, o líder recorre à força e não à inteligência para se impor. O Tagarela recorre à mentira e ao uso falacioso das palavras e dos números para iludir os animais. O hino é abolido, os mandamentos são alterados, alguns animais são mortos, depois de obrigados a confessar coisas que nunca fizeram, e leis são aplicadas sem protesto. Os animais perderam a capacidade de protestar, não sabem ler, não compreendem, deixam-se ludibriar por falsos discursos, factos alterados e sorrisos manhosos. Os animais duvidam de si próprios, do que viveram, de como e porque chegaram ali. É-lhes feita uma total lavagem cerebral e emocional.
Onde estão então os bons líderes? Ainda que surja alguém com boa vontade ao início, ele corrompe-se, apega-se ao que criticou no seu antecessor, ganha-lhe os vícios, as manhas, subtrai-lhe os prazeres, adota os mesmos comportamentos, transforma-se no que foi o seu inimigo. Quer isto dizer que não há esperança para a humanidade, que voltamos sempre ao mito do eterno retorno, que estamos condenados a sofrer eternamente como Sísifo e que os projetos de vivermos uma vida melhor, de podermos usufruir da “Montanha de Algodão Doce”, nos estão completamente vedados. A todos? Não, porque “Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que outros” e porque “a verdadeira felicidade reside em trabalhar arduamente e viver com frugalidade”.
Opinião/análise por Roberta Frontini
Não me quero alongar muito na história, pois a mesma está bem patente na opinião anterior. A primeira vez que li este livro interpretei-o de uma forma totalmente errada. Talvez por o ter lido muito nova (na altura o livro ainda se chamava “O triunfo dos porcos”), e por conhecer mal o contexto na altura, vi-o como uma alegoria ao comunismo. Esta ideia sempre me foi perseguindo transformando talvez um pouco a forma como durante anos encarei esta mesma ideologia política.
Hoje compreendo que o livro deve ser lido com um bom conhecimento de toda a conjetura social, política e cultural que se vivia nos anos em que George Orwell o escreveu. Só assim poderemos “retirar” dele o melhor. Este livro refere-se ao regime estalinista na ex-URSS, e não ao comunismo em geral. Cada animal representa uma personalidade histórica (é o caso do Sr. Reis que representa o czar russo Nicolau II ou do porco Major que é baseado em Marx e Lenine). A critica mais profunda refere-se à sede de poder, à subjugação cega e às questões que por vezes se relacionam com a subida ao poder de alguém que não tem realmente qualquer capacidade para liderar, mas apenas uma forte vontade em ser líder. E esta questão é totalmente independente da ideologia política assumida pelo líder. Qualquer que esta seja, o que importa salientar é que sistemas extremistas não são solução e, com o tempo (por vezes mesmo curto), tornam-se totalmente incomportáveis. Se pudesse voltar atrás no tempo, talvez diria aquela menina de 14 anos que se revoltou com o final do livro, que o livro não era o que ela pensava, mas sim uma forma original e surpreendente que o autor encontrou para, através de animais numa quinta, representar uma Revolução e um sistema totalitário revoltante.
É de facto um livro interessante que nos faz refletir sobre imensas coisas, reviver um pouco da História da Humanidade e, por isso, é uma excelente sugestão de livro para discussão num clube de leitura.
Mariana Oliveira & Roberta Frontini (Administradoras do blogue FLAMES)