Casas com Escritos – Uma História da Habitação em Lisboa (Bizâncio, 2015) é o nome do livro com mais de 700 páginas que acompanha a história da casa lisboeta desde o Terramoto de 1755 aos dias de hoje. A autora, Margarida Acciaiuoli, catedrática do departamento de História da Arte da Universidade Nova de Lisboa, elege Campo de Ourique como o bairro mais “verdadeiro” de Lisboa e considera a convivência entre todas as classes como uma das condicionantes fundamentais para uma vida de bairro saudável. Da ausência de definição do tipo de construção admitido na cidade, no séc. XIX, aos graffitis que hoje escondem a decadência dos edifícios degradados, a docente aponta erros na transformação da cidade.
Em Lisboa, qual é o bairro mais representativo da ideia do que um bairro deve ser?
O verdadeiro bairro de Lisboa é Campo de Ourique. Tem uma característica bastante lisboeta, que vem da Idade Média e que se verifica também na Graça, que é não haver separação de classes. Ao lado de um prédio para a média burguesia, pode haver uma construção para populares. Há uma mistura de classes natural. Além disso, existem lugares onde as pessoas se podem abastecer do ponto de vista material e espiritual. Basta pensar que Campo de Ourique tem um mercado e uma igreja lado a lado. Eu chamo-lhe o bairro singular de Lisboa. É aquele que elejo como imagem do que deve ser um bairro.
Falou da convivência entre todas as classes, até que ponto esse fator é importante na vida de um bairro?
É importantíssimo. O mundo é feito de gente que pertence a várias classes, e se o universo está povoado dessa forma, porque é que se há de fazer bairros só para pobres ou só para ricos?
O Estado Novo construiu bairros sociais para os mais desfavorecidos, mas houve um arquiteto que teve grande influência no antigo regime, Porfírio Pardal Monteiro, que defendeu que isso não podia acontecer, ia contra a nossa maneira de estar. Mais tarde, encomendam a outro arquiteto um bairro de raiz em que se vê a mistura de classes: Alvalade.
Há problemas comuns nos bairros lisboetas?
Até 1879, Lisboa acabava nos Restauradores e depois havia o Passeio Público, que o Marquês de Pombal tinha mandado construir para os lisboetas saírem de casa. Quando Lisboa destrói o passeio público e se estende para norte – o que não era suposto porque Lisboa sempre cresceu ao longo do rio – e se rasga a Avenida da Liberdade e as outras artérias que tomam o nome de Avenidas Novas, não se fazem bairros, fazem-se artérias à volta das quais se edificam prédios. Há quem considere, erradamente, que as Avenidas Novas são um bairro, mas não são. Faltam as infraestruturas todas, igrejas, mercados, lojas, cemitério… Com esta expansão de Lisboa surgiram os bairros do Rego e do Arco do Cego, esses sim, são bairros nas extremidades das grandes artérias. Foi um desastre porque nega as nossas raízes lisboetas, na medida em que quem vivia na Avenida da Liberdade e nas Avenidas Novas era a gente rica. Os pobres viviam no Rego, em casas feitas de lata. Ao bairro do Rego chamavam bairro das minhocas porque as pessoas para entrarem em casa tinham de se baixar e pareciam minhocas.
Há algum acontecimento histórico que tenha contribuído especialmente para a alteração do conceito de bairro?
A falta de uma ideia concreta para o desenvolvimento de Lisboa. Quando a Câmara traça as principais artérias para a cidade se expandir, não definiu o tipo de construção que se podia fazer, o tipo de casa ou de prédio, ao contrário do que se fez em Paris, onde se definiu o traçado e a construção ao mesmo tempo, aqui não, isto em finais do séc. XIX.
Nos últimos capítulos do seu livro fala da imaginação na ocultação da decadência da cidade e do caso concreto do graffiti.
Os graffiters são artistas, a sua arte oculta a decadência dos prédios. As pessoas passam na rua e são chamadas pela pintura e não veem que os prédios estão a cair, o que até pode ser um perigo. Na Av. Fontes Pereira de Melo, por exemplo, há prédios a cair, mas nós olhamos para lá e ficamos fascinados com os desenhos que nos fazem sonhar. Esses grafitis fazem-nos olhar para cima, fazem-nos sonhar, e nós não vemos a degradação.
Esse fenómeno tem um lado que também considera perigoso?
Eu acho que tem um lado perigosíssimo, mas os artistas não têm culpa nenhuma disso. Eles fazem o seu papel.
Por um bairro melhor é a iniciativa que une a VISÃO, SIC Esperança e a Comunidade EDP em busca dos vizinhos mais ativos do País. Participe, dê ideias, contribua. Tudo por um bairro melhor.