Na agenda de trabalhos do jornalista há, muitas vezes, incêndios, mortes, acidentes. Podem ser tratados com a distância possível dos factos, mas não deixam o repórter indiferente. Mesmo nada indiferente: “Comecei a escrever ficção para me vingar da realidade”, recorda Anabela Natário, editora do Expresso Online e autora de várias biografias femininas.
A realidade aparece na base de toda a criação. Com resultados infinitos, porque cada autor vive e vê os acontecimentos de forma diferente. Júlia Nery identificou na sua experiência de vida o clique que a fez despertar para cada romance. O primeiro, Pouca terra, Poucá terra, nasceu da raiva. “Depois de ouvir, em França, nos anos 80, um discurso de Le Pen fiquei tão revoltada que me senti obrigada a tratar o tema da emigração”. Criada com a expressão “os portugueses são boa semente que em qualquer terra dá frutos”, Júlia Nery viu na escrita uma forma de expressar a sua indignação contra a xenofobia.
Mas quando se trata de processo criativo – o tema desta quinta tertúlia Jornalismo&Literatura – o sofrimento compete com a indignação. “Sem sofrimento não se faz nada”, defende Fernando Pinto do Amaral. Para o escritor e comissário do Plano Nacional de Leitura, o sofrimento é “a ostra que segrega a pérola”. Até porque, admite Júlia Nery, “criar é uma forma de chorar”. Mas, lembra Fernando Pinto do Amaral, “sofrimento a mais também paralisa”.
Mais do que sofrido, Anabela Natário procura um “processo criativo livre”. Senão, Fernando Pinto do Amaral não poderia dar à criação a maior de todas as missões – a de libertadora. “Uso-a para sair de mim”.
Ao jornalista cabe-lhe tratar a realidade, ao escritor apoiar-se nela para criar – ou recriar – mundos. Foi assim que se voltou a cruzar Jornalismo&Literatura, desta vez na tertúlia dedicada ao tema “O Processo Criativo. A realidade como fonte de inspiração”, a quinta de um ciclo de tertúlias organizado pelo Clepul (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias), núcleo de Jornalismo e Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e apoio da revista VISÃO.