“Na nossa festa, tudo começa com este botãozinho”, diz Ana Maria Chorão, com suave sotaque alentejano, “tudo começa com este botãozinho…”. Nas mãos tem uma pequena rosa, feita de papel azul. Ao lado, Ludovina Rosa, sentada numa cadeira de baloiço, na sala de sua casa, continua a produzir, em série, rosinhas brancas sobre a mesa. Ainda não vai ficar por aqui a repetição da palavra “rosa” neste artigo, já que, não há como fugir-lhe, o atual Presidente da Associação das Festas do Povo, em Campo Maior, dá pelo nome de João Rosinha. Na sede da Associação, entre rolos de papel colorido, muito arame, frascos de cola, desfia números para nos dar a dimensão destas Festas: “São vinte toneladas de papel, mais três toneladas de outros materiais”. Entre 27 de agosto e 4 de setembro espera-se, na pequena vila raiana de Campo Maior (com cerca de 9 mil habitantes), mais de um milhão de visitantes. Para que tudo esteja pronto a tempo, a população começou a trabalhar ainda em março… E o que é esse “tudo”? Mais de cem ruas engalanadas com arranjos florais de papel, túneis coloridos, colunas, pilares, floreados por todo o lado… Campo Maior transforma-se nesses dias: as ruas enchem-se e à porta das casas oferecem-se bebidas e comida a quem passa.
Desde 2004 que as Festas do Povo – que remontam ao século XIX e não têm qualquer caráter religioso – não se realizavam. Afinal, elas exigem não só um grande investimento (o orçamento, diz-nos Rosinha, deve rondar 1 milhão de euros) como um enorme envolvimento de todos – ou seja, as festas só se realizam se o povo quiser. E o povo quis. Por isso, nestes dias, semanas e meses, sobretudo à noite, são muitas as mãos, de todas as idades, de todos os estratos sociais, a confecionarem pequenas flores de papel, dos mais variados feitios e cores. Um dos grandes estímulos a esse trabalho moroso é a rivalidade que inevitavelmente se cria entre ruas. Cada rua da cidade inscreve-se para as Festas (este ano 104 “ruas e troços” já estão inscritos) e elege um “cabeça de rua” que comunica à Associação as cores, e o material pretendido, tentando fazer o máximo segredo disso em relação aos vizinhos de outras ruas. Tempos houve em que se dava um prémio final à melhor rua, mas isso acabou: era puxar demasiado pelas rivalidades – a minha rua é melhor do que a tua…. – e punha sempre o júri numa posição difícil.
Sinal dos tempos: este ano não foi fácil conseguir, a tempo e horas, todo o papel colorido necessário. Há uma crise, também, nesse setor e é complicado reunir tanta quantidade (20 toneladas!). “Já há vermelho?”, pergunta Ana Maria, ansiosa, na casa da vizinha, ao presidente da Associação. Já há vermelho, sim. E de onde veio ele? Da Alemanha, importado diretamente para as Festas de Campo Maior. Benditos alemães.