A ameaça da subida do nível da água do mar e o aumento das tempestades, que têm provocado inundações um pouco por todo o planeta, estão a criar uma nova tendência no mercado imobiliário: as casas flutuantes.
Nos Países Baixos, um dos melhores exemplos destas preocupações, pois um terço do país está abaixo do nível do mar, já existem várias estruturas flutuantes, que vão desde os escritórios às quintas de produção de leite e ovos. Em 2019, surgiu o primeiro bairro residencial construído dentro de água. Um projeto que começou com 30 casas e prevê atingir mais de cem habitações.
E depois do sucesso destas construções, outras começaram a nascer um pouco por todo o país e acabaram mesmo por se estender a outras latitudes. Quem já pegou neste exemplo foi o governo das Maldivas, um dos países mais afetados pela subida do nível médio das águas do mar. Atualmente, está a ser edificada uma aldeia inteira numa lagoa, situada a 10 minutos de barco da capital, Malé, em estrutura flutuante. O projeto é da responsabilidade de arquitetos holandeses e contará com apartamentos, escolas, lojas e outras estruturas de apoio à comunidade que ali se instalar.
Como cerca de metade da população mundial vive a menos de 200 quilómetros da costa, muitos arquitetos e promotores imobiliários começam a apostar e a desenvolver projetos com este conceito.
Mas enquanto não existem mais casas flutuantes disponíveis no mercado, muitos cidadãos dos quatro cantos do mundo têm optado, trocando o conforto da sua moradia ou apartamento, por viver dentro de barcos.
Em Portugal, temos vários exemplos de pessoas que fizeram esta mudança, quase todos estrangeiros. A norte-americana Toni Blackburn comprou um barco na zona do Douro, em plena pandemia, e mudou-se de armas e bagagens, com o marido, o alemão Stefan Friese, para viver nas margens deste rio, como contaram ao site Idealista News. Casos semelhantes podem ser encontrados na Marina de Portimão ou na do Parque das Nações, onde algumas pessoas decidiram vender as suas casas e passarem a viver dentro de uma embarcação.
Para ir ao encontro desta tendência, a empresa The HomeBoat Company, do português Rodrigo Rubin, tem investido na criação de casas-barco para venda ou arrendamento em várias zonas do País, como o Douro, Albufeira, Açores e Lisboa. O projeto começou em Itália, mais propriamente em Cagliari. Depois, trouxe o conceito com o objetivo de criar uma nova experiência para quem procurava um alojamento diferente.
O mesmo faz a GoFriday, empresa sediada na Póvoa de Varzim, que construiu a já famosa Floatwing. Essa casa-barco de luxo esteve no Alqueva, na Amieira Marina, e encontra-se, agora, em Resende, no rio Douro. Sendo modulares, estas casas adaptam-se às necessidades e podem ir dos 60 aos 108 metros quadrados. E a empresa, que ainda há poucos anos era uma startup de Coimbra, exporta agora para vários países da Europa, África e Ásia.
Dois engenheiros franceses, Nicolas Derouin e Arnault Luguet, foram ainda mais longe e estão eles próprios a desenhar iates que podem velejar e ter todos os requisitos necessários para albergar uma família no seu dia a dia.
O primeiro modelo, o Arkup 75, foi construído em 2019, mas ainda saiu bastante caro, por um total de quatro milhões de euros. O comprador acabou por ser um milionário de Miami, que o ancorou junto à sua mansão em Miami Beach e o usa como uma segunda casa.
À medida que continuaram a fabricar mais iates e a melhorar o projeto, os preços foram descendo e, atualmente, a empresa tem várias dezenas de encomendas, de embarcações que podem ir dos 500 mil a 1,2 milhões de euros.
Da água para o papel
A moda está a crescer de tal maneira que já deu origem a um livro, Fazer Ondas: Casas Flutuantes e a Vida na Água, escrito por Portland Mitchell, no qual o autor elenca as mais belas casas construídas num barco.
“Atendendo às previsões sobre as alterações climáticas, a habitação em barcos pode revelar-se uma alternativa cautelosa, e até mesmo necessária, à vida em terra, essencial para a sobrevivência humana”, diz Portland Mitchell.
O autor foi buscar exemplos a quase todo o mundo, da Escandinávia aos EUA, contando as histórias por detrás das tomadas de decisão, como é o caso de Max McMurdo, um antigo designer de automóveis que converteu um contentor de metal de 24 metros quadrados numa casa flutuante. “Sempre sonhei viver perto da água, numa casa minúscula”, contou ao autor. Hoje, Max McMurdo vive no leito do rio Ouse, no Norte de Yorkshire, numa casa-barco totalmente sustentável.
Nos Países Baixos, além de bairros residenciais, já existem várias estruturas flutuantes, que vão desde os escritórios às quintas de produção de leite e ovos
Outra das histórias envolve Agnès Combes Bernageau, uma gestora de uma marca de luxo francesa, que decidiu trocar o aconchego de um apartamento em Paris por um barco, chamado Cid, que foi entregue pela Alemanha ao governo francês como indemnização no pós-guerra. O Cid foi vendido à BP na década de 50 e estava atracado no rio Sena desde 1980. Agnès renovou toda a estrutura da embarcação e hoje vive nela com os dois filhos. “Conquistei uma mentalidade mais aberta, um maior sentido de comunidade e de liberdade. Aprendi muito com o barco. Fui descobrindo todo o material técnico envolvido e ganhei força muscular”, relata.
Entediado com a vida nas grandes cidades, o argentino Anibal Guiser Gleyzer comprou um veleiro e explorou o delta dos rios Paraná e Uruguai. Ficou encantado com a região e decidiu mudar-se para aquele local. Vendeu um apartamento e comprou um terreno junto ao delta. No entanto, como aquela é uma zona muito húmida e propensa a fortes e rápidas inundações, construiu uma casa flutuante onde passou a viver. Em poucos anos, outros argentinos começaram a aderir à ideia e, hoje, num espaço inabitado, passou a existir uma comunidade ecológica de casas flutuantes denominada Hipocampo Econáutico.