Terminou quarta-feira, no meio de polémica, a consulta pública para a construção do novo terminal do Cais do Cavaco em Gaia, destinado a embarcações marítimo-turísticas no rio Douro, uma estrutura a cargo da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL).
Em comunicado, os 80 moradores do Edifício Destilaria Residence, situado no Cais do Cavaco manfestaram-se “frontalmente contra a construção do terminal fluvial” que consta da proposta apresentada pela APDL no passado dia 3 de maio.
“Esta oposição deve-se ao reduzido envolvimento da sociedade civil ao longo de todo o processo, que resulta do acordo prévio entre a Câmara Municipal de Gaia e a APDL relativamente a este projeto, o que transformou a consulta pública num mero pró-forma, desconsiderando por completo as preocupações dos gaienses e dos moradores daquela zona ribeirinha”, denunciam os queixosos.
Paulo Leal, morador do Edifício Destilaria Residence, sublinha que “não se encontra, em nenhum documento disponibilizado na consulta pública, nenhuma razão que sustente a necessidade de um projeto desta envergadura e neste local específico. Os argumentos utilizados, meramente económicos, levam-nos a interpretar que este projeto é mais um passo dos operadores em privatizar o rio Douro, transformando-o num parque temático, afogado num turismo de massas descontrolado, assente numa procura de maximizar os lucros de terceiros sem considerar as preocupações das associações ambientais e da
população local. Basta olharmos para exemplos de cidades europeias, como Veneza, que está a recuar neste tipo de atividade, para percebermos que há limites a este crescimento”.
Os moradores condenam a “despreocupação com o rio Douro e com a qualidade da sua água e ecossistemas” tendo em conta as próprias projeções para o crescimento turístico na Via Navegável do Douro apresentadas pela APDL – em 2035 estima-se que exista uma frota de 37 navios-hotel no Douro e um total de 125.500 passageiros anuais a desembarcar em Gaia, “aumentos de 48% e 26% face aos números mais recentes, respetivamente”.
Reforçando as preocupações que vários académicos e especialistas têm levantado nos últimos dias, os moradores afirmam que a APDL “falhou em responder à totalidade dos impactos ambientais deste projeto, não apresentando, por exemplo, cálculos e medidas de minimização dos riscos de derrame de combustíveis”.
Em comunicado, os moradores realçam a mega-intervenção que envolve “uma dragagem de 23.000m3 e a extorsão de 9.000m2 de margem de Rio” e questionam como é possível produzir impactos “positivos, irreversíveis, de elevada significância, quer ao nível do ordenamento do território, quer ao nível do uso do solo”, como tem sido afirmado pela APDL.
Queixas e dúvidas que não estão a conseguir fazer chegar diretamente às entidades envolvidas no processo, como a Câmara Municipal de Gaia e a APDL. “Até agora a única entidade que nos recebeu foi a APDL, que remeteu tudo para o processo de consulta pública e mostrou pouca preocupação com o bem-estar dos gaienses que aqui vivem todos os dias, mostrando valorizar mais um crescimento turístico descontrolado de pessoas que vêm cá uma vez e nunca mais voltam”, reitera José Filipe Mesquita, outro dos moradores.
Somado aos impactos sobre o leito do rio, decorrentes da construção da estrutura megalómana de 6.200m2 e 10 metros de altura diretamente sobre o Douro, os moradores consideram importante alertar para a desfiguração da margem do Douro, sobre a encosta histórica de Vila Nova de Gaia.
No seu entender, o projeto contribui para desvirtuar de forma “irreversível” o património geomorfológico, ambiental, histórico e cultural numa zona classificada como Património Mundial da Humanidade e parte integrante do Centro Histórico de Vila Nova de Gaia.
Os moradores pedem ainda uma “verdadeira discussão pública, estudos mais aprofundados e um maior escrutínio no processo de tomada de decisão”, alegando terem sido apenas contactados pela primeira vez em agosto de 2022, “mais de 2 anos depois do início do estudo do projeto e sem que lhes tenha sido fornecida informação suficiente sobre o mesmo”.
Em comunicado, divulgado há cerca de seis meses, onde se dava a conhecer o nome de Álvaro Siza como o autor do projeto, a APDL e a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia sublinhavam que estavam “em consonância com a escolha do local, projeto, arquiteto e enquadramento urbanístico” e que este iria dotar a área com novas valências no apoio às operações dos navios-hotel que cursam a Via Navegável do Douro e na dinamização turística, económica e urbanística do território.