O que têm em comum Elon Musk, Greta Thunberg e Anthony Hopkins? Para além da óbvia notoriedade nas respetivas áreas em que se movimentam, os três partilham o diagnóstico de Transtorno do Espectro de Autismo e muito têm contribuído para descomplicar este quadro clínico. Estima-se que uma em cada 36 pessoas poderá estar em algum espectro de autismo (dados do Centro e Prevenção de Doenças, dos EUA), uma representatividade que tem levado um número crescente de organizações a ajustar os seus espaços a estas pessoas habitualmente conotadas como profissionais dotados de grande criatividade mas com especificidades que é preciso respeitar.
Um tema que está na ordem do dia nos media estrangeiros e ainda mais neste mês de Abril designado como Autism Awareness Month. O autismo é apenas uma das variantes integradas na neurodiversidade, termo usado para descrever as diversas diferenças existentes no cérebro humano e que se tem vindo a popularizar nos últimos anos, seja nas redes sociais, seja através de séries televisivas em plataformas de streaming como a Netflix.
Pessoas consideradas neurodivergentes podem ter variações cognitivas como transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), espectro de autismo ou dislexia, por exemplo, diagnósticos que hoje são mais fáceis de apurar fazendo disparar a representatividade deste grupo e obrigando as organizações profissionais a ajustarem-se em termos de design do espaço de trabalho, como nos explicou Marta Alves, consultora senior no departamento de ‘Workplace Strategy & Change Management’ da multinacional Cushman & Wakefield.

– Até há bem pouco tempo, a neurodiversidade era um não-assunto em termos de espaços de trabalho mas agora já começa a formar-se uma tendência, pelo menos lá fora. Desde quando é que as empresas começaram a debruçar-se sobre o tema?
Existe uma maior sensibilização para este tema no pós -2020 porque a pandemia veio mexer com uma série de paradigmas que existiam no que diz respeito ao trabalho em escritório. Começou a haver uma maior sensibilização quer por parte das organizações, quer por parte dos profissionais que desenvolvem projetos de escritórios e que estudam esta área, mais no sentido de pensar efetivamente nas pessoas e não tanto nos colaboradores. Hoje em dia estamos muito mais focados em saber quais são as necessidades das pessoas e qual a sua opinião em relação ao seu espaço de trabalho para este se adequar às suas necessidades. Mas não sei se existirá especificamente um investimento maior relativamente à neurodiversidade. Fala-se sim muito nos últimos tempos nas políticas de DEI – Diversidade, Equidade e Inclusão. Ou seja, a inclusão de pessoas diferentes não se circunscreve apenas à neurodiversidade mas também às minorias étnicas, a pessoas com diferentes backgrounds culturais, de religião, sexo, diferentes experiências de vida ou de circunstâncias… Somos todos diversos, todos diferentes, quer tenhamos uma condição ou não, quer tenhamos vindo de outro país, de outra cultura… Agora, é verdade que as pessoas neurodivergentes poderão ter, eventualmente capacidades criativas, capacidade de organização e de memorização, que possam contribuir muito positivamente para as organizações.
– Existem várias simulações no Youtube que nos permitem vestir a pele de uma pessoa neurodivergente e perceber quão incomodativo poderá ser trabalhar num espaço de trabalho convencional…
Sim, os estímulos em espaço de trabalho são muito mais exponenciados… A neurodiversidade beneficia todos, não só os neurodivergentes mas também os que não são neurodivergentes, ou seja, os neurotípicos. E há vários pontos onde podemos intervir e que podem fazer realmente a diferença. Sabe-se, por exemplo, que as pessoas neurodivergentes podem ter uma maior sensibilidade à temperatura. Assim, é possível providenciar nos escritórios algum nível de controlo localizado da temperatura em determinados espaços. Isso vai proporcionar um maior conforto e eventualmente aumentar os níveis de produtividade das pessoas.
As pessoas neurodivergentes também podem ter uma maior sensibilidade ao ruído de fundo dos open spaces, ao barulho dos telemóveis, tudo isso pode ter grande impacto nos seus níveis de concentração e de stress. Ao nível de design é possível contemplar algumas barreiras acústicas (nos tectos, em paredes divisórias, etc) para esbater o som e assim favorecer o descanso e o conforto da mente.
Os sistemas eficientes de filtragem que garantem a qualidade do ar são obviamente importantes para todos os trabalhadores mas para as pessoas neurodivergentes com uma maior sensibilidade ao odor tornam-se mesmo essenciais.
– A iluminação em excesso também tem grande impacto, certo?
Sim, as pessoas neurodivergentes podem apresentar alguns níveis de fotossensibilidade, portanto, se houver a possibilidade de iluminação ajustável é o ideal. Deve-se evitar a iluminação fluorescente e aquilo a que se chama o light flickering, aquele piscar das luzes. Já se começa igualmente a falar do conceito da iluminação circadiana, aquela que acompanha o ritmo biológico e ajuda-nos a estar mais ativos quando devemos estar ativos e ajuda-nos a começar a abrandar quando a hora de descanso se aproxima.
Quanto ao layout do escritório, propriamente dito, é recomendável a utilização de um design mais neutro no que diz respeito a padrões e texturas, nomeadamente nas zonas de trabalho proporcionando ambientes que são estimulantes mas sem grande sobrecarga sensorial. Em grandes open spaces em que parece tudo igual só com mesas e cadeiras e para evitar algum nível de desorientação é importante criar espaços que se percorram de uma forma intuitiva, enfatizar percursos através da repetição, da sinalização, espaços com mensagens consistentes e imagens fortes ou cores que as pessoas possam identificar e perceber em que ponto estão… Podem usar-se, por exemplo, elementos artísticos, quadros ou outros elementos que ajudem a quebrar o espaço e as pessoas tenham ali uma referência ao nível da orientação.
E ao nível do espaço de trabalho individual?
É muito importante proporcionar a diversidade de espaços nos escritórios, ou seja, haver a possibilidade de escolha. Até para as pessoas conseguirem adaptar o espaço à atividade que estão a desenvolver no momento às suas necessidades. Ou seja, criar zonas de trabalho individual em que seja mais fácil as pessoas concentrarem-se. Há cada vez mais empresas a criar as chamadas de quiet rooms, zonas isoladas, fora do open space, onde a pessoa pode trabalhar individualmente e com menos ruído para conseguir aumentar o seu nível de concentração. É também essencial conceber espaços para lazer ou momentos de pausa e de descompressão para as pessoas, sejam neurodivergentes ou neurotípicas. E aqui podemos ter duas categorias de espaços de lazer: os We Spaces, que promovem a interação e a conexão, como sejam os pontos de café ou as salas de jogos, e os Me Spaces, mais dedicados ao “Eu” individual, para quem pretende um momento de pausa mas não quer estar a interagir ou a conversar com outros e onde se pode estar em silêncio ou a ouvir música, apenas a descansar e a recarregar baterias.
E ao nível da tecnologia? Há especificidades?
Sim, a empresa pode fornecer auscultadores com redução do som periférico para as pessoas poderem estar no open space a trabalhar mas com os phones e ouvirem um pouco menos de ruído e nas reuniões virtuais existem aplicações de captação de voz e legendagem, isto porque as reuniões virtuais podem ser muito confusas sobretudo quando contam com muitos participantes, toda a gente a aparecer no ecrã, algumas a falarem ao mesmo tempo, pode ser bastante confuso…
Mas atenção, todos estes pontos devem estar assimilados na cultura organizacional. É fundamental que as empresas valorizem a diferença dos indivíduos e não criem estigma. Não basta ter um escritório muito bem preparado a este nível e depois as pessoas sentirem-se estigmatizadas. É importante que isso faça realmente parte da cultura da empresa.
– Em termos de adaptação poderá ter um custo muito elevado ou nem por isso?
Eu diria que alguns detalhes não terão grande impacto porque são coisas que já entram hoje me dia em qualquer projeto de escritório. Já a iluminação, a qualidade mais apurada do ar e algumas aplicações ao nível de tecnologia poderão criar algum incremento de custos. Mas no geral diria que não terá assim grande impacto. Há pequenas coisas que se ajustam e não é por aí que se vai deixar de fazer um escritório mais inclusivo.