Este país, já se sabe, não está fácil para os idosos cuja pensão média não chega aos 500 euros, mas será então Portugal uma nação amiga dos mais jovens em termos de habitação? Este foi precisamente o desafio temático lançado pela ERA Portugal, numa conferência no âmbito do SIL, Salão Imobiliário de Lisboa e que contou com um diversificado painel de oradores.
Para a investigadora Romana Xerez, co-autora do estudo “Habitação Própria em Portugal numa Perspetiva Intergeracional” encomendado pela Fundação Gulbenkian, o cenário é francamente desolador. “O acesso à habitação por parte dos jovens agravou-se de forma acentuada nos anos mais recentes. O aumento do preço das casas subiu de forma impressionante em Portugal e esse crescimento é um dos mais elevados da Europa e está a agravar-se. A crise de 2008, a que se seguiu a crise pandémica e agora a que está ser provocada pela guerra na Ucrânia, ou seja, todas estas multi-crises afetaram significativamente as gerações Millennial e Z, sublinhou a professora, lembrando a disparidade entre a geração anterior, a dos pais, que em termos habitacionais “teve tudo” e esta nova “que nada tem”.
Criticando o pacote “Mais Habitação” que classificou como de “poucochinho para a juventude” e da escassez de programas estatais especificamente para este segmento etário salvo honrosas exceções como o “Porta 65 que ajudou nos anos 90 mas que hoje é manifestamente insuficiente”, Romana Xerez apelou a uma ação mais enérgica da sociedade “em prol dos mais jovens até porque afinal são eles que representam o futuro”.
No estudo “Habitação Própria em Portugal numa Perspetiva Intergeracional, uma das principais conclusões apontava precisamente para o facto de “ao contrário das duas gerações anteriores, só uma baixa percentagem de Millennials conseguir tornar-se proprietária com hipoteca antes dos 30 anos”, registando “as famílias mais jovens uma quebra de riqueza líquida superior a 50% nos últimos anos”.
Entre as várias fontes que suportaram a investigação (dados Pordata, Banco de Portugal, INE, etc) constava também o Eurobarómetro que num inquérito feito aos jovens europeus (15-30 anos), apresentou também dados relevantes para esta questão. À pergunta “o que leva os jovens a ficarem a viver até mais tarde na casa dos pais”, 63% dos jovens portugueses responderam que não tinham condições para sair.
Em 2004 esse percentual era de 55%, em 2017 já tinha subido para os já referenciados 63% e dados mais recentes da Eurostat, reportando-se a 2019 já apontavam para uma subida, ainda que ligeira de 64% de jovens portugueses. Quando a média na União Europeia é de 48%. Isto é bastante demonstrativo do que está a acontecer à geração Milénio em Portugal, em termos de habitação”, sublinha Romana Xerez, co-autora do estudo (em parceria com Elvira Pereira e Francielli Dalprá Cardoso).
A representar a autarquia de Lisboa esteve Filipa Roseta, vereadora da habitação que lembrou que o município, com as suas 23 mil casas, “é o maior senhorio do país”. Mas não chegam, admitiu a responsável, elencando algumas das medidas municipais para mitigar o grave problema da habitação na capital. “Estamos a pagar um terço da renda a mais de 300 famílias e queremos chegar às 1.000. E das cerca de 2.000 casas da câmara que estavam vagas já recuperámos 830 que vão ser atribuídas até ao final do ano”.
A vereadora relembrou que Câmara de Lisboa quer ceder terrenos municipais, em direito de superfície, a privados sem fins lucrativos para construírem habitação acessível.
O plano, recorde-se, prevê, um formato das cooperativas para construção inferior a 50 fogos, com pequenos terrenos dispersos pela cidade, inclusive reabilitação, e o das concessões para mais de 100 habitações e aí já direcionado para os promotores.
No total, a câmara prevê 500 fogos para cooperativas e cerca de 1.000 para concessões, numa primeira fase, com o objetivo de criar um mercado misto de habitação acessível. O programa prevê “o direito de superfície com prazo limitado”, que pode ser até 90 anos, mas sem propriedade plena, ou seja, os intervenientes nunca podem vender o imóvel, e no fim desse período a câmara volta a ter o direito de usufruto.
Para as famílias mais carenciadas, a autarquia já mapeou 36 zonas prioritárias de intervenção, que são as mais degradadas por toda a cidade e para onde será canalizada a verba de 400 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).