Com os principais indicadores setoriais a mostrarem-se mais positivos do que a generalidade das estimativas, o setor da construção e imobiliário, aumentando o seu peso no PIB nacional, assume-se cada vez mais como um dos principais drivers da economia portuguesa, não obstante o impacto da pandemia. De facto, temos assistido a um aumento significativo do número de transações e licenças emitidas para construção nova e reabilitação de edifícios, assim como do total de concursos promovidos, volume de contratos celebrados e consumo de cimento.
As perspetivas para os próximos anos são as melhores, por força do investimento público e privado, esperando-se em 2022 recuperar os níveis pré-pandemia, mas com vários riscos eminentes, além da incerteza quanto à evolução do surto e do crescente endividamento das famílias, empresas e estado.
Os problemas sistémicos deste mercado são bem conhecidos, mas tendem a não ser resolvidos. Ao nível do investimento, destaca-se o excesso de carga fiscal e burocrática; a falta de capacidade administrativa, de justiça e estabilidade política. Ao nível da indústria, a elevada fragmentação e volatilidade; a baixa produtividade, que, a par das elevadas taxas e impostos a cargo das empresas, inibe o crescimento salarial; a falta de inovação, formação e qualificação; a concorrência centrada no preço e a falta de regulação.
Mais recentemente, a escassez de mão de obra e de materiais de construção tem sido uma das maiores preocupações do setor, por impactar diretamente nos custos de construção, que só no ano passado tiveram a maior subida dos últimos 15 anos, e, consequentemente, no planeamento e execução dos investimentos previstos para esta década.
Ao nível do investimento privado, nomeadamente no segmento residencial, o excesso de procura face à oferta (só em 2020 a procura aumentou 5 vezes mais do que a oferta), derivado da maior facilidade de crédito à habitação, do aumento da poupança e da alteração das preferências dos consumidores, mas também da dificuldade em construir e reabilitar mais e mais barato por questões de licenciamento e custos de investimento, somando ainda a inflação, tem mantido uma tendência global de crescimento dos preços das casas. Neste sentido, fazer habitação acessível para a classe média/baixa e promover a inclusão social e territorial, ao abrigo de programas como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ou a Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), torna-se cada vez mais complicado, principalmente pelos custos de construção e de contexto (impostos e burocracia), pese embora a procura possa abrandar por alteração das condições de financiamento e capacidade das famílias.
Ao nível do investimento público, é imperativo realizar o planeamento e calendarização dos projetos alvo de financiamento ao abrigo do PRR, conhecendo o volume, o tipo de obras e a forma como vão ser lançadas e realizadas, mais as restrições de recursos humanos e materiais, sob pena de comprometer a sua execução, tal como já aconteceu anteriormente com algumas medidas ao abrigo do QREN e PT2020, ou dar lugar a empresas estrangeiras. Para tal, as entidades públicas terão de ganhar competências e capacidades para avaliar a viabilidade técnica, económica e financeira, e o impacto territorial e ambiental dos investimentos, e ainda o seu enquadramento orçamental e respetivo modelo de contratação. Nos processos de concurso devem ser especificados e monitorizados outros critérios além do preço, como a mais valia técnica e a capacidade de execução. Os recursos são limitados, bem como o horizonte temporal.
A falta de mão-de-obra, a curto prazo, poderá ser mitigada reorientando profissionalmente trabalhadores desempregados ou de outras indústrias, promovendo a mobilidade transnacional e atraindo o regresso de operários da construção civil emigrados. A médio prazo, com a crescente necessidade de edifícios e infraestruturas, terá de ser impulsionada a industrialização do setor, desenvolvendo competências de caráter mais tecnológico e atraindo mais talento, com maior diversidade de perfis e género.
O preço dos materiais (e.g. madeira, aço, PVC e alumínio) é um problema global, acentuado com a evolução mais otimista face ao previsto do mercado da construção mediante a pandemia, que acabou por gerar um desequilíbrio excessivo entre a produção (reduzida) e a procura (crescente). A este nível, embora se perspetive uma estabilização para breve, devem ser definidos mecanismos para a revisão de preços contratados em função das variações dos custos efetivos.
Esta realidade representa riscos como o aumento dos preços da habitação e escritórios, maior risco de crédito, adiamento de decisões de investimento, menor capacidade de execução das obras dentro dos custos e prazos estimados, e menor rentabilidade das empresas do setor.
A qualidade é também um fator crítico, dado que os empreiteiros são frequentemente condicionados pelo critério do preço mais baixo em processos de concurso e ainda têm de assumir erros de projeto (arquitetura e engenharias), tendendo posteriormente a compensar prejuízos ou incrementar ganhos com trabalhos a mais ou redução de custos e comprometendo por vezes o resultado pretendido – no fim, quem perde é o cliente.
Adicionalmente, tem-se verificado uma tendência crescente na adoção de modelos de contratação de projetos e obras que alocam mais reponsabilidade aos empreiteiros, como o “Early Contractor Involvement (ECI)” com “Guaranteed Maximum Price (GMP)” em regime de “Open Book” (custos e margens conhecidos), no sentido de garantir logo desde a fase de conceção um preço e prazo máximo para o desenvolvimento do empreendimento, assumindo eventuais futuros prejuízos, ou sendo compensado caso haja poupanças face aos valores acordados. Claro está que este tipo de modelos, face à elevada oscilação dos preços de mão de obra e materiais, tendem a representar um risco elevado para o executante.
Atendendo a que mais de 99% da indústria da construção e imobiliário é composta por PMEs com uma elevada alavancagem financeira e que frequentemente enfrentam problemas de liquidez, por variados motivos como sobrecustos ou atrasos nos pagamentos a receber, nunca é demais frisar que as empresas vivem de contratos realizáveis e, acima de tudo, de fluxos de caixa para fazer face às suas obrigações perante terceiros (colaboradores, estado e credores) e acionistas.
Posto isto, deparamo-nos com um cenário pouco sustentável no domínio privado e público, ao pretender habitação acessível e o sucesso de investimentos estruturantes no horizonte 2030, e ao mesmo tempo querer garantir a rentabilidade e liquidez do setor, face à escalada dos custos de construção e à pressão para executar obras baratas e para baixar os preços de venda dos imóveis. Devem assim ser tomadas rapidamente medidas orientadas para os problemas prementes do setor, de modo a favorecer o investimento, a indústria e, ultimamente, a economia nacional.