A construção que se faz em Portugal resistiu até há bem pouco tempo a produzir edifícios mais amigos do ambiente (salvo algumas exemplares exceções) , um cenário que começa finalmente a mudar, fruto das exigências do mercado e também da Diretiva Europeia que vai entrar em vigor em 2021 e que obriga os novos edifícios a ter um “balanço 0” a nível energético.
Mas e apesar da resistência dos construtores em fazer edifícios mais sustentáveis, existem bons exemplos de materiais de construção ‘made in’ Portugal, alguns a dar cartas além-fronteiras.
É o caso da carteira de produtos da Amorim Revestimentos e Amorim Cork Flooring, empresas da Corticeira Amorim, líder mundial na transformação de cortiça e a maior exportadora de cortiça do mundo, com 94% de vendas feitas para fora de Portugal em mais de 100 países.
Do mobiliário ao envolvimento em obras arquitetónicas icónicas onde se incluem a catedral da Sagrada Família (Gaudí), em Barcelona ou o Terminal de Cruzeiros, em Lisboa, são vários os exemplos dos projetos que incorporaram cortiça.
“Felizmente hoje há uma mudança de paradigma e as pessoas estão cada vez mais preocupadas com o ambiente e naturalmente em busca de soluções mais naturais. E aqui, a cortiça encaixa-se perfeitamente”, diz à Visão Imobiliário Carlos Manuel, CEO da Amorim Isolamentos.
Até na indústria aeroespacial, a cortiça está presente. A Corticeira é uma fornecedora de soluções para esta indústria desde o início da exploração do espaço com o Apollo 11, pelas suas capacidades de isolamento térmico, suportando temperaturas até 2000ºC.
Uma matéria-prima que não poderia ser mais sustentável porque é obtida sem o abate da árvore e cumpre à risca a regra dos 3 R da sustentabilidade – é renovável, reciclável e reutilizável, reforça ainda o responsável. “E é durável. Este produto, usado como isolamento térmico de uma casa, ao contrário de outros que não são naturais, dura todo o tempo de vida daquela habitação. E no fim de vida é absolutamente reciclável”, realça Carlos Manuel, adiantando que peso dos clientes nacionais ronda os 10%.
A unidade de negócio dos revestimentos tem crescido também de forma significativa nos anos mais recentes, distribuindo-se por espaços residenciais, hotéis, bibliotecas, museus, entre outros.

Uma das parcerias mais mediáticas a nível arquitetónico foi feita em Barcelona ao cobrir os 2.000 m2 do piso da Sagrada Família, Património Cultural da Humanidade e um dos monumentos mais visitados do mundo. Por cá, um outro projeto de peso se destaca: o Terminal dos Cruzeiros, projeto de Carrilho da Graça incorporou uma solução criada pela Amorim, Secil e a Universidade de Coimbra, que assenta num novo tipo de betão branco estrutural leve com granulado de cortiça, usado nas fachadas do edifício. O composto criado permitiu reduzir em 40% o peso da estrutura do edifício, sem descurar a sua resistência, e melhorar o seu conforto e eficiência energética, dada a capacidade térmica da cortiça.
“Ao longo dos anos, a nossa empresa, que é líder mundial na produção de pavimentos com incorporação de cortiça, tem vindo a investir na utilização das mais recentes tecnologias como forma de potenciar a utilização desta matéria-prima com um grande foco nas questões ambientais e de conforto. Conseguimos assim alcançar uma pegada de carbono negativa ao longo de todos os nossos processos, ajudando na redução do Potencial de Aquecimento Global”, aponta Mário Pinho, diretor de marketing da Amorim Cork Flooring.
A Amorim Cork Flooring é a segunda maior área de atividade da Corticeira Amorim, representando atualmente 14% do valor gerado pelo grupo.
“O portefólio atual da empresa apresenta soluções variadas de pavimentos, adaptadas a todo o tipo de aplicações (desde espaços residenciais a espaços comerciais de tráfego elevado) e com uma oferta alargada de visuais, sejam eles cortiça, madeira ou pedra. No caso de madeira ou pedra estes visuais são conseguidos com recurso a tecnologia de ponta, como é o caso da impressão digital feita diretamente sobre a cortiça, que permite replicar qualquer visual de forma altamente realista”, explica o responsável.
Desperdício de papel convertido em cimento ecológico
“É, provavelmente, o cimento mais ecológico do mundo. Na receita, para além de utilizar maioritariamente desperdícios das indústrias de celulose que de outra forma iriam para aterros, a produção do cimento ‘verde’ desenvolvido na Universidade de Aveiro (UA) reduz drasticamente o uso de recursos naturais virgens e pode ser produzido à temperatura ambiente, diminuindo consideravelmente o consumo de energia”, um anunciava em comunicado, no ano passado, o Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica (DEMaC) da UA, acrescentando que o o resultado deste trabalho resultou num” eco-cimento para construir um mundo mais sustentável”.
Produzido a partir dos resíduos da indústria da celulose (nomeadamente cinzas e grãos de cal que de outra forma iriam parar a aterros) , através de uma parceria com a Navigator, este eco-cimento “surge como alternativa ao cimento tradicionalmente usado para a construção há dezenas de anos”, indo ao encontro das atuais exigências que cruzam a questão da sustentabilidade e da economia circular, explica Rui Novais, um dos investigadores deste grupo de trabalho que nos últimos dez anos tem feito investigação ao mais alto nível, a par das universidades de outros países.
O cimento tradicional, vulgarmente conhecido como cimento Portland, “tem um custo de produção extremamente baixo mas uma pegada de carbono extremamente elevada – a produção deste cimento tem associado 7 a 8% da produção global de CO2”, aponta o investigador.
Há muito usado nos países nórdicos que produzem eco-cimento com outro tipo de resíduos, por cá continua a faltar regulamentação que agilize a entrada no mercado de um produto que ajuda a reduzir o desperdício que acaba nos aterros e que tem vantagens comprovadas na regulação da humidade nas paredes interiores dos edifícios, pela sua capacidade de absorção de água.
“Estes materiais já são uma realidade em alguns países da Europa do Norte, nos Estados Unidos e na Austrália, por exemplo, que utiliza este material até nas pistas dos aeroportos. Mas por cá (e em outros países europeus do sul), as normas que existem para o cimento convencional são muito restritivas quanto ao tipo de materiais que podem ser utilizados em sua substituição. Mas é necessário caminhar nesse sentido, no caminho da economia circular, porque a economia linear que esteve em vigor até agora não pode continuar ”, apela o investigador, lembrando que existem “reticências da indústria cimenteira que já utiliza a tecnologia de cimento Portland há centenas de anos e que agora demonstra alguma relutância em mudar para um material e uma tecnologia diferente”.
Mas é uma postura que terá forçosamente de mudar, nem que seja por decreto. “As diretivas europeias apontam nesse sentido por causa das alterações climáticas – é necessário reduzir a poluição de gases de efeitos de estufa entre 40 e 70% nos próximos 30 anos”, aponta Rui Novais, recordando que o sector da construção é responsável por 36% das emissões na União Europeia.