“Vivi o suficiente para já não ser o idiota que toda a gente disse que eu era”, brinca David Card. O homem que revolucionou a forma como olhamos para o salário mínimo identifica um ambiente político diferente – e mais tolerante – em relação a subidas do SMN. E, apesar do Nobel recebido em 2021, acha que a sua investigação teve pouco que ver com essa transformação. O economista esteve em Portugal para participar numa conferência sobre contratação coletiva, organizada pela Universidade de Lisboa, com alguns dos maiores peritos do mundo no tema. A VISÃO entrevistou-o entre sessões, numa conversa sobre muitos dos assuntos que preocupam os especialistas laborais – da perda de peso dos sindicatos aos desafios ao poder negocial dos trabalhadores.
Num momento em que os trabalhadores enfrentam perdas de poder de compra devido à inflação, esperaríamos que a contratação coletiva recebesse mais atenção. É isso que está a acontecer?
Pode haver outros fatores para além da inflação. Desde os anos 90, Portugal tem estado numa espécie de recessão de longo prazo. Atravessaram a Grande Recessão, mas já não estava a correr bem antes disso. Mesmo quando havia negociação coletiva, era por valores muito baixos. E muitas pessoas até defendiam a redução dos salários reais. Agora, finalmente, a economia está melhor e terá de haver movimentos nas remunerações. Nos EUA, também foi assim. Observou-se uma quebra ou estagnação dos salários reais entre quem ganhava menos e, nos últimos anos, eles finalmente cresceram mais rápido do que a inflação (ao contrário dos salários dos mais qualificados).