Usando uma expressão de génio de Alexandre O’Neill, diga-se que se tratou de uma conversa “em forma de assim”, na qual se falou do ressurgimento dos populismos e das próximas legislativas, de viagens de sonho e das voltas que o turismo deu a Lisboa. No final, fomos parar ao sítio por onde começámos: o Benfica, ou não estivéssemos nós a falar com um fervoroso adepto do clube das águias. Aos 70 anos, António Mega Ferreira – antigo presidente da Parque Expo e do Centro Cultural de Belém (CCB), atual diretor-executivo da Orquestra Metropolitana de Lisboa – lançou, recentemente, Santo António, de Lisboa e Pádua (Clube do Autor), um livro que é também um exemplo da sua devoção à escrita e à cultura.
Gostava de começar pelo seu Benfica.
Mas isso é começar muito bem, uma entrada de águia [risos].
Creio que o seu pai chegou a ser dirigente do clube.
Sim, na altura em que nasci, o meu pai era dirigente. Então, prometeu fazer uma proposta de sócio: se eu fosse menina, ele rasgava-a; se eu fosse rapaz, inscrevia-me. Fui admitido como sócio do Benfica dois dias depois de nascer, na reunião de 27 de março de 1949.
Acredita que verá o Benfica a ser campeão europeu?
Gostava muito, mas não me parece que seja possível. O futebol evoluiu de uma forma extraordinária, o poder do dinheiro é hoje determinante. Se virmos os últimos 20 títulos, são sempre ganhos por três ou quatro clubes: Real Madrid, Barcelona, Bayern e, de vez em quando, Juventus. É evidente que, com a presidência de Luís Filipe Vieira, o Benfica deu, não um, mas três ou quatro saltos em frente, sendo hoje uma organização mais profissional, habilitada a competir ao mais alto nível. O problema é que a indústria do futebol evoluiu muito. O impressionante não é vender o João Félix por 120 milhões de euros; o impressionante é que haja um clube que tenha 120 milhões de euros para dar pelo João Félix.
Já disse que, entre escritor e gestor, preferia ficar para a posteridade como escritor. Mas não é essa a imagem que o grande público tem de si.
Azar meu, azar meu [risos].
Hoje em dia, os escritores, os intelectuais de um modo geral, são vistos como “chatos”?
Não sei se será por causa disso que… Acho que tem que ver com um traço muito forte da minha vida: a minha participação num projeto grandioso, que aparentemente pouco tem que ver com literatura, a Expo 98. Fiquei marcado por ele, e fico muito feliz com isso.
Isso não é o angustia?
Tenho pena, eu gostava… Bem, dizer que gostava de ser lembrado como escritor é uma forma de falar. Na verdade, estou-me nas tintas para a forma como serei lembrado. A posteridade não me interessa rigorosamente nada. Morremos e acabamos, não há mais nada.
Que tipo de escritor é? Obsessivo? Escreve de jato?
Escrevo por impulso. Posso andar com um livro na cabeça durante imenso tempo, não escrever praticamente nada ou escrever apenas o início, três ou quatro capítulos. E, depois, de repente, há um impulso. E nessa altura, normalmente, escrevo de seguida. O livro que me demorou menos tempo a escrever foi Cartas de Casanova [romance em que ficciona uma viagem de Casanova a Lisboa, depois do terramoto de 1755], fi-lo em três meses. Sou obsessivo, isso sim, na investigação. A bem dizer, dá-me tanto gozo investigar quanto escrever. Investigar já é escrever, é escrever virtualmente, as coisas começam a andar aqui dentro.
Li entrevistas nas quais lamentava que já não teria tempo para fazer uma biografia de Santo António. Afinal, arranjou tempo?
Referia-me a tempo de vida. Cada vez que penso num projeto, acho que ele vai tomar-me anos. Olho para a frente… Não sou eterno.
E não negoceia com ninguém.
Não tenho com quem negociar. Eu bem olho lá para cima, mas não vejo ninguém.
No livro diz que a popularidade de Santo António se deve ao facto de este ser um santo dos afetos. Também é essa a razão pela qual um republicano laico se torna devoto de Santo António?
Há duas coisas que me ligam ao mito antoniano. Em primeiro lugar, em bebé, como eu me chamava António, puseram-me ao pescoço um cordão com uma medalhinha de ouro de Santo António. A medalhinha cresceu comigo, rilhei-a com as raivinhas dos dentes. O fio perdeu-se e, com grande pena minha, a medalha também. Mas não se perdeu a memória. Em segundo lugar, fascina-me o facto de Santo António, apesar de nascer nos confins do mundo do século XIII e de ser um português das origens do reino, se meter à estrada. Em dez anos, ele conquista o Norte de Itália e o Sul de França, pela palavra e pelos atos.
Tão popular que, até hoje, é reclamado por duas cidades, Pádua e Lisboa.
Também me interessava esvaziar um pouco este bairrismo serôdio que temos ao dizer que Santo António não é de Pádua mas de Lisboa. Ele nasceu em Lisboa, no entanto é em Pádua que se faz santo. E é, no final da vida, em 1221, a partir do momento em que vai ter com os franciscanos, perto de Assis, que constrói o carisma extraordinário que o torna um santo em apenas 11 meses depois da sua morte. É feito santo pelo Papa, mas, na realidade, é feito santo pela vox populi que, no dia em que ele morre, anda pela cidade a dizer: “Morreu o Santo António! Morreu o Santo António!”
É um santo próximo das pessoas?
Profundamente humano. Santo António não impõe nada às pessoas (ao contrário de Francisco de Assis). Ele não quer que as pessoas se despojem de tudo (ao contrário de Francisco de Assis). Ele não quer casar-se com a pobreza (ao contrário de Francisco de Assis). Então, por que razão ele é considerado um franciscano de primeira linha, quase um seguidor de Francisco de Assis, com o qual, aparentemente, nunca se encontrou? Para mim, este é outro dos temas interessantes. Santo António é apropriado politicamente pela Igreja Católica, pelo Papado, pela Cúria. É utilizado como um instrumento no confronto entre as duas tendências do franciscanismo, usado como bandeira do franciscanismo mais intelectual, mais escolar, por oposição ao franciscanismo dos espirituais.
Santo António é um errante. Também é um viajante…
… Sim, mas eu viajo com bastante mais conforto.
Qual a viagem da sua vida? Já a fez? Ainda está por fazer?
Já não a faço. Não por falta de tempo, mas por falta de condições. Adorava ir a Quioto. Se me perguntar porquê, sei muito bem porquê, mas não lhe sei responder. É um bocado como Santo Agostinho dizia sobre o tempo: “Eu sei muito bem o que é o tempo – até que alguém me pergunte.” Quioto é um sonho. Depois, tenho outra viagem que ainda espero vir a concretizar: nunca fui a Granada. Há anos que chateio os meus amigos com isto e, depois, por uma razão ou por outra, acabamos por não ir.
Continua a ir a Itália todos os anos? Prometeu ir até morrer…
Infelizmente, já falhei um ano, já cancelei uma viagem. Não estava em condições, não consigo subir escadas e, quando penso nas igrejas italianas, sinto que jamais chegarei lá acima.
O que ainda o surpreende em Itália?
O que continua a surpreender-me em Itália é a sua fantástica diversidade. Em todos os aspetos; até no aspeto linguístico. Tem muito que ver com uma coisa que me interessa extraordinariamente: a formação da ideia de Itália. Nem no tempo do Império Romano existiu a ideia de Itália. Na cabeça daquela gente, a ideia de Itália era uma nebulosa, não se sabia bem onde começava e onde acabava. Por exemplo: em 1861, aquando da unificação italiana, o Reino de Itália tem sede no Piemonte e a casa real achava que, na Sicília, ainda se falava árabe – porque os árabes tinham lá estado no século X, antes dos normandos. Ou seja: a diversidade é tão grande que dá para acontecerem coisas como este disparate total dos tipos do Norte acharem que, na Sicília, ainda se falava árabe. Tinha sido há nove séculos!
E como foi possível nascer ali um país?
É quase um milagre da civilização. Como aquele país conseguiu construir-se como Estado? Como, com toda esta diversidade, com as forças a puxarem cada uma para seu lado, conseguiu sobreviver como Estado? O que é que eles, apesar de tudo, conseguiram gerar como o cimento mínimo de uma nação?
Na sua opinião, qual foi esse cimento?
Creio que o risorgimento italiano utilizou três ou quatro armas propagandísticas: Dante, Verdi, Manzoni…
A cultura foi a base do Estado italiano?
Obviamente. Utilizaram várias figuras que representavam a identidade nacional. Para eles, identidade nacional é identidade cultural. Julgo que isso foi extremamente importante. Depois, há outras coisas que também fazem parte da identidade nacional… Os italianos têm uma saudável arrogância. Por exemplo, quando perdem um jogo de futebol com a Suécia, isso é uma tragédia nacional. Nós dizemos que se trata apenas de um jogo de futebol e eles respondem: “Stronzi, sbagliati!” [“Imbecis! É um erro!”].
Têm um orgulho do tamanho do mundo?
Os italianos têm um enorme orgulho no país que têm, que, de facto, é maravilhoso. É um país onde os sinais de História, de cultura e de civilização quase que nos dão, como em Stendhal, agonias, vómitos, tonturas. Em qualquer cidadezinha onde estejamos, qualquer vila, qualquer localidade, ainda vemos um edifício medieval, um edifício do Renascimento… Lucca, uma pequena cidade da Toscânia, com a sua torre, é absolutamente deslumbrante. Em Siena, quando pisamos a Piazza del Campo, ninguém se lembra que foi construída no século XIV. Ou seja: o orgulho dos italianos vem-lhes da antiguidade das coisas.
E a Itália de Matteo Salvini, incomoda-o?
A Itália de Salvini incomoda-me brutalmente, é um vómito. Incomoda-me como me incomoda o Brasil de Bolsonaro, os Estados Unidos da América de Trump e a Grã-Bretanha de Boris Johnson. Tudo isto me incomoda porque é quase antinatural, anti-histórico; são coisas que já não estão na História, são anacronismos que seriam admissíveis nos anos 30 ou 40 do século passado. E, no entanto, chegamos ao fim da segunda década do século XXI e assistimos ao reaparecimento destes fenómenos.
O que aconteceu à Europa que, menos de um século depois, volta a gerar populismos? Um estudo recente sublinhava o papel das televisões de Berlusconi nesse ressurgimento…
Essas televisões contribuíram, como é óbvio, para uma massificação da mediocridade. Mas não se trata apenas disso: julgo que existem razões de fundo que têm que ver com a própria evolução das sociedades europeias. A Europa evoluiu para uma espécie de não lugar ideológico. É um sítio onde a ideologia parece ter deixado de existir, onde a política e o combate político se esbateram completamente, dando lugar à existência de vastas massas acríticas que, de repente, sucumbem ao fascínio da política. Após o esvaziamento ideológico das sociedades europeias, estes populismos são o retorno da política pelo seu pior lado.
Mas que poder de atração podem ter líderes políticos como Salvini?
Salvini é perigosíssimo (mas também só é perigosíssimo porque uma cambada de tontos chamados Movimento 5 Estrelas lhe deu o poder). Entre os italianos, Salvini tem carisma. Tem um lado que apela muito aos italianos, qualquer coisa entre o mafioso e o cantor de ópera. Itália também é um país fascinante por causa dessa fantástica diversidade de gente, toda ela com sangue na guelra.
Recentemente, também escreveu um livro a que deu o título Lisboa e Tejo e Tudo. Foi uma forma de regressar à infância?
Não sou capaz de escrever um livro sobre Lisboa, é demasiado íntimo, demasiado próximo; não tenho recuo nem distância. Na altura, disse ao Marc [Marc Sarkis Gulbenkian, autor das fotografias de Lisboa e Tejo e Tudo]: o que eu posso fazer é alguns apontamentos das minhas memórias de Lisboa. E contei-lhe, por exemplo, a história do meu primeiro cenário de ópera. Nasci na Rua Marquês de Ponte de Lima, na Mouraria alta, na parte burguesa, num segundo andar de um prédio que era dos meus avós. Ia para a varanda, e sabe o que via do lado esquerdo? Em contre-plongée, a fachada da igreja da Graça. À noite, nos anos 50, como não havia a iluminação pública que existe hoje, só a fachada da igreja estava iluminada. E eu olhava para aquilo com um enorme fascínio. Muitíssimos anos depois, fui à Arena de Verona, ver uma Aida com Daniela Dessì. Quando o cenário se iluminou, disse: “Ah, a igreja da Graça!”. O que me apareceu foi a imagem da minha infância.
A pergunta é para o lisboeta, mas é também para o pragmático: como vê o que está a acontecer ao centro histórico de Lisboa?
De repente, Portugal, que não tem indústria, descobriu uma indústria. Deve fazer tudo para evitar a descaracterização, mas não pode diabolizar a única indústria que tem: a indústria do turismo. Portanto, a transformação do centro histórico de Lisboa tem aspetos virtuosos e outros que não são virtuosos. Creio que a travagem do alojamento local, que já está a ser feita, é fundamental. O lado positivo disto tudo é que o centro de Lisboa se modernizou. Para quê?
Para não cair aos bocados.
Para evitar que caia aos bocados. E de facto o centro da cidade voltou a ter vida. Ainda sou do tempo em que, já muito depois do 25 de Abril, à noite, não havia ninguém na Rua Augusta. Íamos jantar a qualquer sítio ali, dávamos uma volta pelo Rossio e víamos as empregadinhas do shopping a correr rua abaixo, para apanhar o barco. As pessoas falam, falam, mas não se lembram do deserto que era a Baixa pombalina às dez da noite.
Mas não dispensava o lado do passado forjado?
O lado do parque temático. Mas que é Viena senão um gigantesco parque temático cultural? As pessoas vão lá para ver o Kunsthalle, ir à ópera e ao Prater. Isto para lhe dizer: não faço nada essa espécie de denúncia do turismo. É a nossa indústria e está a funcionar muito bem, o País está melhor. Em Lisboa, por exemplo, tudo o que se faz de obras só se faz porque existe a taxa do turismo. E, depois, há ainda outra questão. Na rua onde vivo, existem dois hostels. Há dez anos, era uma rua de velhos e, agora, nunca teve tanta gente nova. E isto também é muito importante em termos de ambiente humano. Leva a que as pessoas que nunca tiveram contacto com o estrangeiro vejam outras coisas, outras pessoas. Isto abre-lhes a cabeça, elas não sabem como, mas abre-lhes.
Na sua opinião, qual é o legado de Manuel Salgado, até há pouco vereador do urbanismo e reabilitação urbana da Câmara Municipal de Lisboa?
Sou suspeito porque sou amigo dele. Acho que ele deixou a sua marca na cidade. O momento deve-se ao turismo e ao facto de o município ter dinheiro, mas a marca é dele. E também tem que ver com o que Manuel Salgado já tinha feito na Expo 98: a valorização do espaço público que passou a ser um conceito urbano. As populações meteram na cabeça que o espaço público (um jardim, uma rua, uma ciclovia) é tão importante como a casa onde vivem. Essa foi a sua influência, quase uma obsessão, em relação à qualidade do espaço público.
As pessoas passaram a sentir o espaço público como seu?
Sim, apropriaram-se dele, tomaram-no como seu. A aposta de Manuel Salgado consistiu em acreditar que quanto melhor é o espaço público, menos as pessoas o degradam. E, até agora, ele tem razão. Há aliás vários pontos da cidade que ficam marcados pela sua intervenção como arquiteto e não apenas como urbanista: de Belém (com o CCB, onde ele trabalhou com Vittorio Gregotti, e com o hotel Altis Belém) ao recinto da Expo 98.
Foi autor de um estudo que originou, depois, uma reestruturação dos museus da cidade. Também é possível “vender” Lisboa com o argumento do património? Temos assim tanto para mostrar?
Não sei se temos assim tanto para mostrar, mas a verdade é que se vai a qualquer sítio e as filas de turistas são intermináveis. Já nem falo do Mosteiro dos Jerónimos…
Não é preciso ter Botticellis para fazer boa figura?
Não, não é preciso. Os turistas mais refinados, os franceses, por exemplo, adoram o Museu Nacional de Arte Antiga. Quando comparado com os grandes museus internacionais, trata-se de um pequeno museu, mas contém preciosidades extraordinárias. Com a direção de António Filipe Pimentel, houve a inteligência de se dizer assim: “Ah, eu só tenho um Dürer? Então, vou fazer uma exposição com o Dürer que tenho.” Transformar o pouco que se tem num acontecimento é de uma sensibilidade artística muito grande.
Sabendo o que sabe hoje, teria defendido da mesma maneira a ida da Coleção Berardo para o CCB?
Não, da mesma maneira, não. Até porque eu não defendi que a Coleção Berardo fosse para lá desta maneira. Sempre achei que o CCB era um local digno e que se justificava receber a coleção. Trata-se de uma coleção desigual, mas é uma grande coleção. Não há dúvida de que tem peças extraordinárias e, salvo se houver aí algum colecionador escondido, é a melhor coleção de arte contemporânea particular que existe em Portugal.
Foi uma decisão política?
Foi uma decisão política, com a qual eu nunca concordei. O conselho de administração, de que eu era presidente, chegou a propor a atribuição do segundo andar à coleção de José Berardo (são três mil e tal metros quadrados, dava perfeitamente), o que permitia que o centro de exposições do CCB continuasse a programar exposições. Até porque o CCB é o único sítio em Portugal onde é possível apresentar as chamadas exposições blockbuster.
E agora, passados mais de dez anos, após o arresto da coleção, o que o Estado português deve fazer com as obras de arte?
Desculpe, mas sobre isso não me pronuncio.
Quando foi para o CCB, afirmou que era uma vergonha não terminar o edifício. Temos tendência para as obras de Santa Engrácia e para as “capelas imperfeitas”?
A atual administração abriu um concurso internacional com esse objetivo. Espero que chegue a bom porto. Acho que é fundamental terminar o CCB; exaspera-me que não o façam. Não percebo como se lança uma obra daquelas e, depois, não se conclui a parte que, ainda por cima, poderia ajudar a sustentar financeiramente o CCB. O hotel de superluxo poderá vir a criar receitas importantes. No outro módulo, parece-me que querem fazer uma galeria comercial. Não seria a minha opção, mas é importante que se deem passos no sentido de terminar o edifício.
A Orquestra Metropolitana de Lisboa já está bem, já se recomenda?
Artística e pedagogicamente, sob a direção do Pedro Amaral, a Metropolitana recuperou. Financeiramente, tem sobrevivido. Eu diria que está convalescente, mas que ainda não pode ter alta. O problema não tem que ver com a operação corrente, antes com o passivo.
A Geringonça é um cenário irrepetível?
Irrepetível não me parece que seja. O que não quer dizer que eu ache que se vai repetir. A Geringonça pode ter uma geometria variável. Pode haver um entendimento entre o PS (se ganhar as eleições, coisa que julgo que vai acontecer, sem maioria absoluta, creio) e o PCP, que é o que conta. O resto é estimado, mas não conta.
António Costa é, de facto, um líder à esquerda ou soube adequar-se às circunstâncias?
António Costa é um grande político. E um grande político tem de adequar-se às circunstâncias. Mas um grande político também deve ter a visão para saber que, às vezes, é preciso forçar a mão às circunstâncias. Foi o que ele fez, forçou a mão às circunstâncias e, ao contrário do que as pessoas acham, não as forçou na noite das eleições [legislativas de 2015]. Uma coisa daquelas – que quebrou uma prática de 40 anos, uma espécie de abcesso constitucional, constituído por dois partidos – não sai por geração espontânea na noite das eleições. A Geringonça foi uma estratégia pensada e negociada. Agora, estou convencido de que, mesmo com maioria absoluta, António Costa não dispensará o entendimento à esquerda. Tenho essa convicção. Não é possível governar à esquerda sem um entendimento à esquerda. Se este não puder ser à esquerda, tem de ser à direita. E aí acaba-se a governar à direita.
O PSD demitiu-se do seu papel de principal partido da oposição?
Foi muito oportuno.
O que está a acontecer à direita?
Desde a fuga de Durão Barroso para Bruxelas que a direita se encontra num estado de orfandade. O PSD há de ser eternamente órfão de Cavaco Silva que foi, de facto, o último grande líder do PSD.
O PSD tem de cortar o cordão com essa referência?
Pois, não sei o que eles podem fazer. É-me um bocadinho indiferente se não fizerem nada, por mim está bem, eu gosto assim.
Vejo aí um sorriso malicioso.
Não é, não preciso de usar malícia. Toda a gente sabe qual é a minha cor. Sou do Benfica.