Recebe-nos via Zoom e começa por dizer que a pandemia o levou a cancelar a viagem para Lisboa: era a prenda de aniversário dos 90 anos da mãe, a quem atendeu o telefone durante a entrevista. Carinhosamente, explicou-lhe que entraria em contacto dentro de minutos e voltou ao tema do novo livro. Em Como Mudar a Sua Mente: O que a Nova Ciência dos Psicadélicos nos Ensina sobre Consciência, Morrer, Dependência, Depressão e Transcendência (Prime Books, 476 págs., €24,90), o bestseller do New York Times, Pollan adota o registo de obras anteriores, entrelaçando história natural, crítica cultural, medicina e relatos na primeira pessoa, dando ao leitor uma ideia lúcida sobre as “viagens”, aos 60 anos (tem hoje 65).
Considerado pela Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, há uma década, o prestigiado académico desvenda a história dos psicadélicos e de quem os estuda e defende que o acesso não deve limitar-se ao contexto clínico, mas mostra-se cauteloso nesse ponto, tendo em mente as lições da História, que revelam como o entusiasmo irrestrito sobre o potencial revolucionário dos psicadélicos levou à sua proibição durante décadas.
Ler este livro foi ir e voltar consigo a um lugar que todos temos mas que só alguns se atrevem a ir. O que são os psicadélicos?
O termo significa manifestação da mente, ou seja, catalisa o que já lá está. Os seus efeitos são imprevisíveis e variam de pessoa para pessoa, pelo que o tipo de experiência obtido pela mesma dose da substância é único. Incluí no livro o LSD, a psilocibina, o DMT e o 5-MeO-DMT, mas não o MDMA (ecstasy), que também tem valor terapêutico, por já ter material suficiente. Porém, vai constar na série da Netflix, que terá quatro partes: LSD, psilocibina, MDMA e mescalina.
O que motivou o boom dos psicadélicos?
Para minha surpresa, as raízes do uso destas substâncias é muito antiga. Na América do Sul e no México existem há centenas de anos, mas só chegaram ao Ocidente nos anos 1950: havia a música, Timothy Leary (psicólogo visionário de Harvard, defensor dos benefícios do LSD e que inspirou canções dos Beatles), a contracultura e o movimento contra a guerra. Foi um período fértil em estudos e nos movimentos dos anos 1960, mas esse período é apenas um capítulo da História.
Como explica a abundância de estudos com estas drogas nos anos 1960? Era assim tão fácil obtê-las?
Nos anos 1950, os psicadélicos eram conhecidos por meia dúzia de cientistas e psiquiatras, mas ganharam popularidade devido aos artigos das principais revistas generalistas. A Life e a Time promoviam ativamente os psicadélicos como cura milagrosa. Depois, veio o [psicólogo] Timothy Leary, que encorajava toda a gente a tomá-las, e os bioquímicos famosos que as sintetizavam tinham a política de doar metade da produção.
Tornou-se moda em Hollywood, já que escritores, artistas e gente da tecnologia, como Steve Jobs e outros, viam nelas um catalisador mental.
Sim, tomavam ácidos com fins de diversão e espirituais mas, acima de tudo, eram rituais de passagem para os iniciados na contracultura hippie. Quando os jovens começaram a tomar LSD, psilocibina e, em menor escala, mescalina, e a recusarem-se a ir à guerra [do Vietname], isso foi muito assustador para os pais.
Como se passou de turismo místico a pânico moral?
Através da imprensa negativa. De um momento para o outro, surgiram notícias sobre pessoas que se atiravam de edifícios achando que iam voar, estudantes que contemplavam o Sol até ficarem cegos, surtos psicóticos. Houve, de facto, coisas que correram mal por falta de segurança e de consciência. Porém, os manifestos antiguerra é que levaram à política da guerra às drogas e, entre elas, os alucinogénios. O Presidente Nixon chegou a acusar Timothy Leary, um psicólogo em fim de carreira, de ser o homem mais perigoso da América!
O que levou Robert Kennedy a apelar ao bom senso das autoridades reguladoras (FDA)?
No Senado, Kennedy perguntou se era mesmo necessário banir fármacos úteis no tratamento de patologias. Nunca confirmei a história, mas consta que a mulher dele tinha sido tratada com LSD e obteve bons resultados. Porém, os seus esforços foram vãos. A pressão política e social para demonizar a droga era enorme e a controvérsia levou muitos cientistas a pararem as investigações por receio de serem ridicularizados pelos pares. Em 1970, o LSD foi classificado no nível 1, a categoria mais elevada de perigosidade e inapropriada para fins medicinais. Nenhuma destas razões era verdadeira: havia provas de que os psicadélicos não eram drogas de escape nem atuavam no circuito da dopamina, como sucedia com as anfetaminas, a cocaína ou os opiáceos, geradores de dependência. Também havia provas de que eram eficazes no tratamento de adições, da depressão e de outros problemas mentais.
Revela que a própria CIA estava a fazer experiências com estes químicos para controlo da mente. Como é que o caso é visto hoje?
A CIA iniciou um protocolo de investigação paralelo nos anos 1950. Não se sabe ao certo quando terminou, talvez nem tenha terminado, mas isso veio a público nos anos 1970 através da Comissão Church, criada no âmbito do Senado para investigar atividades ilegais da CIA: a ideia seria usar o LSD como soro da verdade para quebrar as defesas durante interrogatórios, ou como arma biológica para derrubar opositores, através do fornecimento de água. Tudo foi feito sem consentimento e algumas pessoas morreram. Era um programa deplorável, em termos éticos. Ironicamente, foi a CIA a dar a primeira dose de LSD ao escritor Ken Kesey [autor do livro Voando sobre um Ninho de Cucos], que iniciou as festas com ácidos na Costa Oeste e popularizou o LSD na Califórnia. A ideia de ter sido a CIA a lançar o movimento hippie sugere que, por vezes, as pesquisas tendem a seguir o curso errado.
Se os psicadélicos forem usados no contexto médico para tratar a depressão, a ansiedade e o suicídio, talvez possam ser encarados como úteis, em vez de serem uma ameaça
Não foi só na América que estes químicos foram uma ameaça ao statu quo. Isso ainda acontece?
Os cogumelos e, mais tarde, o peyote, usados nos sacramentos, constituíam uma ameaça ao poder da Igreja Católica. No sacramento cristão é preciso ter fé para acreditar que se está a tomar o corpo e o sangue de Cristo como ponte para o divino. Nos psicadélicos, essa ligação é direta. Existe a perceção de que os psicadélicos ameaçaram as estruturas do poder, pelo menos no Ocidente. As drogas que tendem a ser diabolizadas são aquelas que dificultam o funcionamento estável das sociedades e das estruturas de poder. Se os psicadélicos forem usados no contexto médico para tratar a depressão, a ansiedade e o suicídio, talvez possam ser encarados como úteis, em vez de serem uma ameaça e, nesse sentido, aceites.
Como vê o renascimento destas substâncias, ou seja, o seu regresso aos protocolos de investigação?
Hoje, usam-se métodos mais rigorosos. Os ensaios duplamente cegos e os estudos controlados com placebos, pelo menos no caso da psilocibina, em casos de depressão resistente, doentes terminais e dependências de todo o tipo (álcool, cocaína, tabagismo), têm-se revelado melhores do que os tratamentos convencionais. As ferramentas que temos, os antidepressivos (SSRI), não estão a ter os resultados que tinham. De resto, nunca funcionaram muito bem, são um pouco melhores do que um placebo. A psilocibina mostrou-se mais eficaz no tratamento da depressão major do que os antidepressivos e a psicoterapia clássica, pelo menos em dois estudos: o do Imperial College e outro, em novembro, da Universidade Johns Hopkins. Precisamos de ensaios clínicos maiores, de fase III, que implicam centenas de pacientes.
E no caso do MDMA, na Europa?
Mostrou resultados notáveis no stresse pós-traumático e, de todas estas substâncias ilegais, deve ser a primeira a ter resultados, por ter começado a ser estudada mais cedo e os ensaios já estarem na fase III. A vantagem do químico é permitir o reprocessamento de memórias difíceis e libertar-se da experiência traumática.
Passou de jovem ansioso ao homem que fez viagens psicadélicas, aos 60 anos. Teve medo?
Estava nervoso e na véspera não consegui pregar olho, mas fiz a experiência com um guia, o que faz toda a diferença. Ter ao lado um perito nestas substâncias transmite segurança. Numa psicoterapia assistida com psicadélicos, a pessoa tem uma venda nos olhos e pode entregar-se à experiência, deixar-se envolver pela música, sem ter de se preocupar com mais nada. O que impacta mais é a sensação de que se vai morrer, mas não: o sentimento do Eu dissolve-se e entra-se noutro espaço em que deixa de existir uma fronteira entre nós e o ambiente e tornamo-nos um, seja com o Divino, o Universo ou a Natureza.
O que significou para si a experiência?
Foi uma epifania. Percebi que a minha noção de experiência religiosa, que incluía a componente sobrenatural, estava errada. Levou-me a rever memórias de pessoas significativas e a desenvolver um maior sentimento de gratidão. O poder da experiência espiritual está no sentimento de conexão. Fica-se menos dependente do ego, que não é a nossa totalidade. Tive um sentimento incrível de conexão e amor. O oposto do espiritual não é o material, é o egoísta. Quando se é escravo do ego fica-se preso na caixa do interesse próprio. Antes, eu era o meu ego. Agora já não. Uma das bênçãos dos psicadélicos é que melhoram a experiência da meditação, que é mais satisfatória.
O uso de psicadélicos pode reconfigurar circuitos neurais e contribuir para a mudança social?
Somos escravos das nossas redes de modo padrão. Separamo-nos dos outros com base nas nossas diferenças (género, raça, etc.) e tendemos a tratá-los como objetos. Fizemo-lo com a Natureza – veja a crise climática. Experiências que nos façam questionar modos de pensar podem ter grande valor. Não creio que o LSD deva ser disponibilizado em larga escala, até por existirem riscos psicológicos. Mudar a sociedade acautelando esses riscos e, talvez, facultando o acesso às elites, poderia criar um novo nível de consciência, mas não tenho uma resposta para isso. Os psicadélicos podem ter uma função importante ao reacenderem o poder das convicções em ativistas ambientais desencorajados. Estas substâncias são, e não são, terapêuticas, trata-se de um projeto cultural no qual é preciso trabalhar.
Afirma, citando Carl Jung, que os psicadélicos ajudam a negociar a segunda parte das nossas vidas. Porque faz mais sentido para os mais velhos, quando se pensava o contrário nos anos 1960?
Ajudam-nos a processar o que vivemos e a repensar a relação com a morte. Com a passagem do tempo, ganhamos experiência e competências, mas também ficamos presos aos registos mentais que conhecemos, nas discussões com o parceiro, com os filhos ou no trabalho. Os psicadélicos quebram hábitos. No livro uso a metáfora de um cientista holandês: a mente é uma colina coberta de neve e os pensamentos são trenós, que aprofundam os trilhos a cada vez que lá passam. Os psicadélicos fazem desaparecer temporariamente esses trilhos (ligações neurais) e o trenó pode explorar novos rumos.