Foi considerada a professora do ano no estado do Michigan, nos EUA, mas cresceu a chumbar tudo o que se relaciona com Matemática e Ciências. No fim do liceu, como não tinha dinheiro para frequentar a faculdade mas queria aprender línguas, inscreveu-se na Força Aérea e empenhou-se a sério no russo – o que a levou a trabalhar como tradutora nos arrastões do mar de Bering e ainda como operadora de rádio numa estação da Antártida. Notou, por esse tempo, que os colegas tinham mais facilidade para resolver problemas porque estudaram Matemática e decidiu, então, mudar o próprio cérebro, que é como quem diz, melhorar os seus conhecimentos nessa área. Tinha 26 anos, deixou o ramo militar e atirou-se à Engenharia Eletrotécnica, na Universidade de Washington, onde se doutorou em Engenharia de Sistemas. Começou a dar aulas ao mesmo tempo que, em parceria com um colega seu, criou o Aprender a Aprender, o mais popular dos cursos online em todo o mundo: frequentado por 2,3 milhões de estudantes, em 200 países, e com cerca de 100 mil utilizadores registados na versão portuguesa. Entretanto, escreveu oito livros – sobre este e outros temas, como a sustentabilidade ou o altruísmo patológico. Tem 62 anos, mas isso não inibiu o Wall Street Journal de considerá-la revolucionária na sua área. Aos pais, recomenda que o melhor é que saibam, o mais possível, sobre a forma como os filhos aprendem, para os poderem ajudar. E não resiste a uma piscadela de olho: “Esta entrevista já pode dar uma ajuda.”
Porque precisamos de aprender a aprender?
Se tentarmos usar um martelo num parafuso, não fazemos um uso muito efetivo dos nossos utensílios. Tal como esses, temos ainda ferramentas mentais que podem ajudar-nos na nossa aprendizagem. Porém, como não somos ensinados a usá-las, isso faz com que não sejamos muito eficientes e fiquemos frustrados. Hoje, há tanta informação sobre a aprendizagem, vinda das neurociências, que se torna muito mais fácil aprender.
O que a faz acreditar que todos podemos aprender, seja o que for?
Bom, é preciso ter algum cuidado com essa ideia. Poderá ser um bocadinho demais pedir a um nonagenário, que não tenha conhecimentos básicos em Ciência, que compreenda a Teoria Quântica. E, claro, certas condições, como a de um acidente vascular cerebral, também não ajudam à aprendizagem, dependendo do tamanho da região do cérebro que foi afetada. Dito isto, todas as pessoas podem aprender muitas coisas – mesmo aquelas que pensamos que nunca iriam conseguir. Sempre detestei Matemática e Ciências, enquanto estava a crescer. Não me dediquei, de todo, a esses tópicos até aos 26 anos. Hoje, sou professora de Engenharia. Se foi possível para mim, também o é para qualquer outra pessoa – mudar por completo aquilo que se sente ser capaz de aprender. O truque é começar num nível básico e ir aprofundando o tema devagarinho.
Quando descobrimos uma nova perspetiva, estamos a mudar o nosso cérebro e a nossa maneira de pensar?
Sim. Ter um olhar novo, sobre um determinado assunto, facilita muito, mas não é tão simples como pensar apenas “a minha cabeça pode mudar e crescer”. Descobrir técnicas como as que elenco é muito útil, porque ajuda a criar uma rotina de treino. E a aproveitar melhor o tempo de concentração. [Oakley chama-lhe “the pommodoro technique” e, basicamente, trata-se de desligar todas as distrações, ligar um cronómetro durante 25 minutos, no decorrer dos quais se trabalha intensamente – e no fim usufruir de 5 a 10 minutos de descanso, a fazer o que quisermos].
A aprendizagem joga-se entre o modo focado e o modo difuso, de um para o outro e de volta ao primeiro. Aprendemos todos da mesma maneira? E resulta sempre?
Há já muitas provas de que toda a espécie de mamíferos alterna, no seu pensamento, entre o modo focado e o modo difuso. E essa alternância parece ser uma parte importante de todo este processo: no modo difuso, é quando consolidamos aquilo que aprendemos antes, em modo focado. É o nosso subconsciente a ajudar-nos para que tudo faça mais sentido. No entanto, ainda é preciso fazer mais algum investimento nesta área.
Precisamos de estar focados e também de divagar, alternando entre os dois estados. E isso quer dizer sair com amigos, fazer exercícios ou simplesmente tomar banho, tal como passar algum tempo debruçado sobre o problema?
Estar focado e trabalhar ativamente nas matérias mais difíceis que estamos a aprender ajuda a começar. Mas fazer intervalos, de tempos a tempos, permite-nos entrar no modo difuso, o tal processo inconsciente de consolidação. E, isso, tanto pode passar por sair com amigos como fazer exercício ou apenas tomar um bom banho.
Isso também quer dizer que a memória de curto prazo parece ajudar em cima da hora, mas a aprendizagem só se faz com a memória de longo prazo – o que implica estudo espaçado por vários dias, em vez de concentrado na véspera?
O estudo da véspera pode ajudar a refrescar a aprendizagem e mostrar se estamos em forma – tal como fazer algum treino antes do dia de uma competição física. Se for em excesso, nunca é uma boa ideia. Mais vale estudar dez horas, ao longo de dez dias, antes de um teste, do que estudar tudo concentrado num dia antes. Armazenar informação, a longo prazo, é como criar uma espécie de uma rotina informatizada para nos ajudar durante o teste. E isso só se consegue com muita prática, em muitos dias.
Estabelecer rotinas também ajuda a manter o foco?
Para algumas pessoas, sim. Há quem só estude em determinados momentos do dia. Há quem não o faça, por causa da vida que tem. Porém, a tal técnica, de estar concentrado 25 minutos e depois passar dez a fazer algo de que se gosta, pode ser feita em qualquer lugar. E incluí-la numa qualquer rotina é que ajuda de certeza.
No entanto, é melhor não estudar sempre no mesmo sítio, da mesma maneira?
O cérebro aprende a associar o lugar onde estudamos à matéria que estamos a estudar. Se gostamos do que estamos a aprender, corre bem. Se não, corre mal. Isto quer dizer que pode ser boa ideia estudar em qualquer lugar, para não criar esse sentimento. Além disso, quando se estuda sempre da mesma forma – por exemplo, num cubículo silencioso da biblioteca –, pode ser mais difícil lembrarmo-nos da matéria quando estamos stressados numa sala de teste e não num lugar confortável.
Diz que reler e sublinhar ajuda pouco. O melhor é ler, desviar a atenção para outro ponto e verificar do que se lembra…
Uma boa técnica é ler a informação com o maior cuidado. Depois, desviar o olhar e tentar lembrar, ao máximo, os pontos mais importantes. Surpreendentemente, recordar assim a matéria ajuda-nos a compreender de uma forma muito mais profunda, e não apenas a decorar. Isso de sublinhar ajuda pouco, e ainda nos leva ao engano, a pensarmos que sabemos o que lá está, quando não é verdade.
A importância de um sono harmonioso está também sempre nestas listas de bem-aprender. Porque parece continuar a ser ignorado?
Grande questão. Os estudantes parecem não entender porque o sono é tão importante. Quando veem imagens das células do cérebro a fazerem novas ligações, como resultado do sono, lá percebem um bocadinho por que razão se diz que o sono é reparador e é essencial para o processo de aprendizagem. Dormir também ajuda a deitar fora as toxinas acumuladas ao longo do dia. Se fizermos um teste, com pouco ou nenhum descanso na noite anterior, é como ter o cérebro envenenado: o desempenho não é nem perto do que seria desejado, caso se tivesse dormido como deve ser.
Um dos outros problemas, sempre apontado é a procrastinação. Como se combate?
Definir que vamos ficar atentos durante 25 minutos e, depois, pararmos. Assumir um compromisso, com um objetivo a curto prazo, permite ultrapassar isso.
Diz que só conseguimos manter-nos focados quatro horas por dia. Pode especificar melhor o que isso significa? Por exemplo, se há momentos do dia que são melhores para tirar o máximo partido dessa nossa capacidade?
Anders Ericsson, um investigador que já fez diversos estudos sobre a forma como aprendemos, concluiu que, de uma forma geral, os melhores a tocar um instrumento, a um alto nível, um mestre de xadrez ou um atleta de alta competição só conseguem focar-se, com a máxima intensidade na sua prática, durante quatro horas por dia. Não quer dizer que não se consigam concentrar mais tempo do que isso – mas que só tiramos o máximo partido da nossa atenção num tempo limitado. Posto isto, tornou-se também claro que o melhor é usar as primeiras horas do dia para o fazer, porque estamos mais frescos – depois da tal noite de sono reparadora. E fazer o trabalho que não exige tanto de nós mais tarde acaba por não nos custar tanto, porque já não precisamos de despender tanta atenção.
Pode dar algumas dicas, para se ficar menos ansioso quando se está a estudar e se tem o exame no horizonte?
Primeiro, certificarmo-nos de que fizemos algum exercício físico no dia anterior, que vai ajudar a reduzir o stresse e a dormir melhor. Depois, ao deitar na noite anterior, tentar relaxar o corpo o mais possível. É muito importante, quando se está a adormecer, não pensar em nada que nos possa perturbar – e imaginar antes que se está numa canoa num lago sossegado, a olhar um céu azul sem nuvens ou uma estrela no horizonte. Isso vai ajudar a dormir. É a melhor dica que se pode dar, porque é o que mais vai ajudar no dia seguinte.
Em todo este processo, os pais também fazem pressão e contribuem para a ansiedade antes do teste. Qual é o seu conselho?
O melhor contributo que os pais podem dar é, antes de mais, saberem como é que os seus filhos aprendem. Há imensa informação nova que pode fazer a diferença. Se começarem por ler este artigo, já é um princípio.