Ao entrar no Hub Criativo do Beato, convidados e imprensa fizeram duas viagens no tempo: percorreram todo o ano passado através das imagens marcantes dos fotojornalistas premiados no World Press Photo 2018 (WPP), e recordaram as memórias portuguesas da impressionante estrutura industrial onde, em breve, vai nascer um significativo pólo tecnológico e criativo da capital. “É muito bom começar com uma tela branca e fazer parte do início de uma nova história do espaço”, garante Carla Vlaun na sessão de inauguração da exposição do World Press Photo 2018, que teve lugar esta quinta-feira. Perante os microfones ligados, ao lado de Fernando Medina (presidente da Câmara de Lisboa), Mafalda Anjos e Rui Tavares Guedes (diretora e diretor-executivo da VISÃO), Joana Garoupa (diretora de marketing da Galp), a jovem curadora defendeu: “A nossa missão é ligarmo-nos às histórias que contam.” Acrescentará: “Esta exposição não é só hard news.” E um sinal é a nova categoria agora contemplada pelo prémio WPP: Meio Ambiente.
É de Carla Vlaun a responsabilidade do resultado final patente na exposição do WPP 2018, uma edição com “um vasto grupo de tópicos”: “Às vezes, é difícil relacioná-los uns com os outros”, confessa à VISÃO. Números redondos: 161 fotografias apresentadas em 62 painéis dispostos pelo amplo espaço, que representam o trabalho de 42 fotógrafos oriundos de 22 países. No conjunto, apenas estão incluída cinco mulheres… “Mas o WPP está a trabalhar para aumentar este número”, assinala a curadora, já fora do ‘palco’ localizado em frente a série fotográfica premiada pelo júri do WPP com o 2º prémio na categoria Pessoas e que ela destaca como uma das suas preferidas. Trata-se da reportagem da norte-americana Anna Boyiazis que, nas aldeias a norte do Zimbabué, registou belas imagens de jovens mulheres a terem aulas de natação, atividade desencorajada pela sociedade e cultura conservadora islâmica do país. Agarradas a bidons de plástico que lhes servem de bóias, ou amparando-se mutuamente, trajando lenços e vestidos longos que tapam o corpo, elas integram o projeto Pange, que significa “grande peixe”.
Há outras presenças marcantes nessa nova categoria. Logo à entrada da sala de janelas altas do Hub Criativo do Beato, é visível a fotografia captada no aterro de Olusosun, em Lagos, Nigéria: um homem carrega um saco gigante de plástico, pisando um chão coberto de detritos a perder de vista. Esta reportagem do holandês Kadir von Lohvisen, membro da agência Noor – distinguida com o 1º prémio reportagem na categoria Meio Ambiente – ecoa as preocupações do WPP face às novas realidades. No painel logo atrás, um outro trabalho realizado para o National Geographic pelo fotojornalista George Steinmetz, vencedor do 2º prémio reportagem na categoria Assuntos Atuais, reflete a mesma abundância da sociedade de consumo: imensas filas de operários, de bata branca e balde verde aos pés, processam carne na principal sala de corte da companhia Jintuo Meat, em Shandong, no leste da China.
Na parede lateral, ao fundo, encontra-se logo o impactante retrato do grande rinoceronte-branco-do-sul, drogado e vendado. Um gigante à espera de ser libertado no parque de Okavango, Bostwana, para fugir aos caçadores furtivos da África do Sul, numa imagem que valeu ao conservacionista Neil Aldrige o 1º prémio foto singular também na categoria Meio Ambiente. Ao lado, encontra-se ainda a reportagem premiada na categoria Natureza de Anni Vitale no Santuário de Elefantes Reteti – uma série em que se mostra a ligação entre animais orfãos e tratadores humanos.
Carla Vlaun reforça a importância desta mostra num tempo em que as redes sociais dominam, e defende à VISÃO que ver uma imagem fora dos ecrãs tem um valor acrescentado: “As pessoas estão muito escondidas atrás dos seus telefones. É importante ver ao vivo e interagir com estas histórias. Espero que, ao verem as imagens de perto, aqui, as pessoas possam apanhar a história atrás da fotografia. Este é um ambiente propício para fazer perguntas, levantar questões.”
Até porque é impossível não colocar questões perante a força, e o drama, de muitas das fotografias aqui patentes. As imagens de grande impacto emocional, de cenários de guerra, de violência, sempre fizeram parte do World Press Photo. Esta edição não é exceção: estão lá os grandes conflitos na Síria, os atentados nas cidades europeias, a Venezuela incendiada. Carla Vlaun chama a atenção para os bastidores da fotografia vencedora do galardão máximo do WPP: José Victor Salazar, o homem em chamas fotografado por Ronaldo Schemidt durante os protestos contra o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, foi logo ajudado por várias pessoas após a captura da imagem, garante ela. A curadora sublinha a importância da atitude, atrás e à frente da câmara: “Ao olhar à volta desta exposição, vemos a resiliência de indivíduos no mundo inteiro, à procura da felicidade para si e para todos.”
A diretora da VISÃO, Mafalda Anjos, realçando a “energia renovadora” do Hub Criativo do Beato (“que tem muito a ver com o momento que a VISÃO está a viver”), recordou a longa associação entre a revista e o WPP traduzida já em dezassete edições-exposições: “Isto não é só uma exposição de fotografia. É uma mostra com o melhor do fotojornalismo. E quando olhamos à volta, para estas imagens extraordinárias, sentimos um orgulho extraordinário na nossa profissão: estar no sítio certo na hora certa, para [contar] um momento que fica para a história”, defendeu.
Um discurso que encontra eco nas palavras de Fernando Medina. Referindo-se à World Press Photo 2018 como uma “homenagem a todos os fotojornalistas”, o presidente da Câmara de Lisboa defendeu que o fotojornalismo é “a forma mais impressionante de expressão”: “Cada uma destas fotos muda-nos”, sustentou, sublinhando que estas têm “um compromisso cívico e também político”: “Mudam a forma como vemos o mundo, a realidade, aquilo que vai acontecendo”. E Fernando Medina rematou com um último elogio: “Os fotojornalistas têm um peso diferente [sem desmerecer os jornalistas de texto]: com uma só imagem conseguem ter o peso de uma mudança, que às vezes a palavra não tem.”
A exposição World Press Photo 2018 estará patente até 20 de Maio no Hub Criativo do Beato (de quinta-feira a domingo, das 10h às 18h), abrangendo ainda uma programação paralela. “Queríamos que fosse uma festa da fotografia”, assume o diretor-exectutivo da VISÃO, Rui Tavares Guedes, destacando as várias talks e workhops de fotografia que vão acontecer, e a exposição Energisers – uma exposição sobre pessoas, projeto documental resultante de uma parceria da Galp com a VISÃO, assinado pelos fotógrafos Arlindo Camacho (Portugal), Enric Vives- Rubío (Espanha), Mauro Vombe (Moçambique), e Jardiel Carvalho (Brasil). A entrada é livre.
World Press Photo > Tv. do Grilo, Beato, Lisboa > 27 abr-20 mai > qui-dom, 10h-19h > Entrada livre