O setor aeroespacial continua a ser um dos que mais fascina a humanidade: da primeira ida à Lua, em 1969, aos milhares de satélites colocados em órbita nas últimas décadas, até à ambição de colocar os primeiros humanos em Marte. Para a concretização destes marcos históricos e para alimentar a ambição que ainda persiste é necessário um avultado investimento por parte de empresas e governos.
Um dos temas em debate durante a a Web Summit Lisboa 2024, que a Exame Informática esteve a acompanhar, foi “Can Europe build a SpaceX?” (ou “Pode a Europa construir uma SpaceX?”, em português), no qual executivos de várias empresas internacionais ligadas ao Espaço, como Mark Boggett (Seraphim Space), Christian Mittermaier (Constellr) e Volodomyr Levykin (Skyrora), partilharam ideias e perspetivas sobre os desafios e as oportunidades que o ‘velho’ continente enfrenta para alcançar a liderança neste setor.
O painel de discussão iniciou-se com a reflexão de Mark Boggett, diretor executivo da Seraphim Space, uma empresa britânica de investimento focada em startups espaciais. Para ele, o sucesso da SpaceX, liderada por Elon Musk, é um reflexo da capacidade do empreendedorismo em criar empresas altamente inovadoras e disruptivas. A SpaceX não apenas revolucionou a indústria de lançamentos espaciais, mas também estabeleceu um novo padrão para o risco e a ambição no setor. “Para construir uma SpaceX europeia, precisamos de mais do que uma figura como Elon Musk. Precisamos de uma rede de pessoas dispostas a correr riscos e investir em inovação”, afirmou Boggett, destacando a necessidade urgente de mais talento e investimento no ecossistema europeu.
A falta de empreendedores em série na Europa é uma preocupação constante, pois, ao contrário dos Estados Unidos, onde muitas empresas começaram com o apoio de grandes investidores e uma cultura de risco, a Europa tem sido mais conservadora. Mark Boggett comparou a criação de unicórnios na Europa com os Estados Unidos, notando que, embora a Europa tenha melhorado, ainda está longe de alcançar o mesmo nível de investimento e ambição. “Precisamos de mais apoio ao risco, mais confiança no nosso talento”, afirmou.
O Papel da Constellr: Monitorização espacial e sustentabilidade
Christian Mittermaier, vice-presidente da Constellr, uma empresa sediada em Friburgo, na Alemanha, também partilhou a sua visão sobre o futuro da Europa no setor espacial. A Constellr é especializada na monitorização do Espaço e na utilização de dados para resolver problemas globais, como as alterações climáticas e a sustentabilidade. Para o executivo alemão, a chave para o sucesso da Europa não está apenas na construção de rockets (foguetes, em tradução livre), mas na aplicação dos dados espaciais a setores como a agricultura, a meteorologia e a gestão de desastres.
“Não precisamos de criar uma SpaceX na Europa. Podemos construir empresas que aproveitem os dados do espaço e a inteligência artificial para resolver problemas no nosso planeta”, afirmou Christian Mittermaier. O vice-presidente da Constellr defendeu que, embora a Europa possa não ter a ambição de construir uma empresa da dimensão da SpaceX, tem uma oportunidade única de liderar áreas como a monitorização ambiental e tecnológica.
Skyrora: Construir uma base de lançamento na Europa
Volodomyr Levykin, cofundador e diretor executivo da Skyrora, uma empresa escocesa de tecnologia espacial, partilhou uma perspetiva sobre a evolução do setor na Europa. A Skyrora tem vindo a desenvolver lançadores espaciais com o objetivo de fornecer serviços de lançamento a clientes comerciais e governamentais. O executivo ucraniano acredita que a Europa tem as condições necessárias para desenvolver a sua própria indústria espacial de sucesso, mas, para isso, será fundamental fazer mais investimentos e melhorar a colaboração entre os diferentes países e empresas do continente europeu.
“Precisamos de algo mais do que apenas o financiamento para construir a nossa própria SpaceX. Precisamos de colaboração entre países, apoio governamental e uma regulamentação mais flexível que permita o desenvolvimento rápido de novas tecnologias”, afirmou. A Skyrora tem demonstrado um compromisso em construir uma estrutura com capacidade de lançamento independente na Europa, com a ambição de reduzir os custos e aumentar a competitividade com a América.
Volodomyr Levykin também falou sobre a necessidade de inovação no setor, destacando que muitos dos lançadores e tecnologias espaciais em uso hoje têm mais de 15 anos. Na opinião do diretor executivo da Skyrora, a Europa precisa de ser mais agressiva na adoção de novas tecnologias, como materiais avançados e técnicas de produção modernas, se quiser competir com empresas da dimensão da SpaceX. A criação de uma indústria espacial competitiva na Europa passa por melhorar a eficiência, reduzir os custos e aumentar a frequência dos lançamentos.
Os desafios e as oportunidades para a Europa
A conversa entre os três especialistas destacou vários desafios que a Europa precisa de enfrentar para se tornar líder no setor espacial. Um dos maiores obstáculos é a falta de infraestruturas robustas para o lançamento de satélites e outros projetos espaciais. Embora a Europa tenha a Agência Espacial Europeia (ESA) com um orçamento considerável, a região ainda depende em grande medida de lançadores dos Estados Unidos ou da Rússia, o que limita a sua própria autonomia no espaço.
Além disso, o ambiente regulatório na Europa, com diferentes normas e requisitos entre os países, é também um desafio. “Se conseguirmos criar um ambiente de colaboração mais forte, onde os governos e as empresas trabalhem em conjunto, poderemos competir com qualquer um”, afirmou Levykin.
No entanto, os especialistas concordam que a Europa tem uma grande oportunidade à sua frente. Com o crescente interesse pelo setor espacial, tanto a nível comercial como governamental, o continente pode tornar-se um centro de inovação em áreas como a monitorização espacial, a sustentabilidade e a exploração espacial. “A Europa tem as bases para ser um líder na exploração do espaço. O que precisamos agora é de mais coragem para assumir riscos e investir em novos talentos”, concluiu Christian Mittermaier.