Alex Kendall não pretende lançar um movimento ativista, mas não abdica dos objetivos que o levaram a criar a Wayve: «mostrámos que é possível ensinar um carro a conduzir, que é possível compreender o mundo através do machine learning».
Cinco horas antes, no ecrã do palco principal da Web Summit, com o Altice Arena a registar uma assistência capaz de fazer inveja a alguns em festivais de verão que por ali passaram, toda a gente pôde ver como é que um carro aprende a andar na estrada sem chocar nem atropelar: acelera-se, larga-se o volante, a máquina sai da estrada, e o condutor imediatamente mete as mãos ao volante para evitar males maiores e redirecionar o trajeto. A Wayve garante que, em dez minutos, foi possível ensinar aquele carro a conduzir sem qualquer risco naquela estrada britânica.
É possível que muitos humanos tenham demorado mais tempo a aprender a conduzir, mas isso não terá sido suficiente para convencer a assistência: a Wayve ficou no terceiro lugar da escolha dos espetadores, apenas com 11% dos votos (no primeiro lugar ficou a Lvl5 com 46% dos votos). O público serviu apenas de indicador de popularidade. No concurso de startups da Web Summit, o vencedor é determinado por escolha do júri.
«Em vez de termos centenas de câmaras e sensores preferimos centrar-nos numa plataforma que tem inteligência», explicou Alex Kendall, depois de receber o prémio.
O CEO da Wayve diz que respeita todos os gigantes das tecnologias e da indústria automóvel, mas também não se intimida na hora de cortar com o passado recente: «A abordagem que tem sido seguida deixou de fazer sentido», atira para depois dar um exemplo: «queremos que os carros que aprendam a andar no Porto saibam guiar em Lisboa, mesmo que nunca lá tenham estado».
A Wayve continua a precisar de sensores que captam os dados relativos às estradas, mas usa a inteligência emprestada pelos humanos que os vão ensinando, com as múltiplas correções que vão sendo introduzidas. É esta mudança de paradigma que promete criar um atalho na evolução tecnológica – e dar aos carros a capacidade para circular em locais que nunca visitaram.
Será que vamos a assistir a uma humanização dos carros autónomos? É possível, mas ainda é cedo para saber se o paradigma proposto pela Wayve tem capacidade para prevalecer sobre os planos de marcas centenárias que gastam milhões de euros em investigação e, nalguns países, como Alemanha ou EUA, são demasiado estratégicas para não serem protegidas. À concorrência de peso, junta-se a desconfiança da população ou as certificações que, provavelmente, acabarão para ser exigidas pelas autoridades na hora de analisar o funcionamento de uma inteligência artificial que aprende com os humanos, mas não é humana.
«A nossa tecnologias não é uma black box. Há formas de perceber como é que a inteligência artificial funciona», explica o empresário britânico, sem perder a oportunidade de deixar um aviso: «Por vezes, os sistemas de inteligência artificial podem revelar-se demasiado complexos para serem compreendidos (pelos humanos)».
Tendo em conta o cenário comercial e tecnológicos, a Wayve, startup criada nos laboratórios da Universidade de Cambridge, Reino Unido, que nem sequer um ano de testes em estrada concluiu, terá sempre uma missão bem difícil até se impor no mercado. O que não chega para esmorecer a ambição de Alex Kendall: durante os próximos dois ou três anos, a jovem startup vai tentar dar seguimento às “aulas” de condução para automóveis em testes ou mesmo projetos-piloto em Cambridge ou noutras cidades britânicas. Para depois dessa fase, prevê-se a expansão da startup para outras paragens.
«A Wayve está a fazer o que todos os seus concorrentes deveriam estar a fazer. Se eles conseguirem continuar assim, o que parece ser a vontade deles, então eles serão enormes», referiu, num comunicado da organização da Web Summit, Tom Staffor, gestor da DST Global e membro do júri.
Durante a apresentação do projeto no palco principal da Web Summit, Kendall apontou como objetivo comercial tornar-se a primeira marca a disponibilizar carros autónomos em 100 cidades. Depois de ganhar o prémio, o líder da Wayve não se esqueceu de retribuir a cortesia para com os jornalistas portugueses (curiosamente, os únicos que se dignaram a entrevistar o vencedor do concurso): «Claro que gostava que gostava de integrar cidades portuguesas na lista das primeiras cidades (que vão receber a tecnologia da Wayve)». Veremos se Kendall cumpre o seu sonho. Para já, tem apenas um projeto de inteligência artificial e a visibilidade de um primeiro prémio num concurso de startups que, este ano, não teve direito a compensação financeira.