A t-shirt de Paddy Cosgrave diz tudo: Web Summit. Desta vez, é em Lisboa. “Lisbon” para as dezenas de milhares de criadores de startups, investidores, CEO, e entusiastas de mais de 100 países que, de 7 a 10 novembro, vão visitar a capital para conhecer os negócios que vão dar que falar nos próximos tempos. Paddy Cosgrave sabe o que está em jogo: numa entrevista a Inês Cândido, da SIC, admite que há um desafio acrescentado em deslocar para «uma cidade três vezes maior» um dos principais eventos especializados em inovação da atualidade, depois de uma relação de amor-ódio com Dublin, que terminou com uma troca de palavras azedas entre o mentor da Web Summit e o governo irlandês.
Foi Dublin que viu nascer e crescer a Web Summit entre 2010 e 2015. E será que Lisboa conseguirá fazer medrar esta mostra de startups que também é uma conferência com os mais valiosos cérebros das tecnologias nos próximos três anos?: «São as pessoas que estão no local que fazem o evento. Quando trazemos pessoas de negócios Portugal, Canadá, China, ou São Francisco e pomo-los a falar conseguimos criar um momento incrível. Não é normal conseguir isso – e ter isso a acontecer dentro de algumas semanas é fantástico», responde Cosgrave sem transparecer ponta de nervosismo. E acrescenta com um piscar de olhos à mais alfacinha das cidades: «Quando trazemos pessoas de vários pontos do mundo para uma cidade temos de ter a certeza de que vão passar um tempo fantástico».
Uma conferência diferente
E a verdade é que a t-shirt do criador da Web Summit diz mais que as palavras que tem impressas. Cosgrave fartou-se de percorrer conferências até concluir que também queria fazer conferências, mas não conferências «das 9 às 5». E conseguiu impor esse formato sempre de t-shirt, dentro de um estilo despreocupado que tanto pode ser encarado como reflexo de uma época, mas também poderá ser visto como a única forma de ser aceite entre uma geração que também cresceu na informalidade. Não será de admirar que faça toda a Web Summit de t-shirt enquanto entrevista os CEO de algumas das multinacionais mais sonantes e milionárias; como também não será novidade só, depois de muita insistência, aceitar pôr maquilhagem para as entrevistas de TV. No ano passado, não houve t-shirt – mas houve camisola de lã em todos os dias em que subia ao palco para encarnar o papel de mestre-de-cerimónias e entrevistador-mor da conferência. No final explicou-se: a enigmática camisola foi usada como homenagem a alguém que a tinha feito. Para quem ainda tinha dúvidas, aí estava a confirmação final de que a Web Summit não é uma conferência “nine to five”.
Em Lisboa, com a praia a poucos minutos de distância e no meio de um dos mais promissores viveiros de startups da Europa, Paddy Cosgrave sabe que algo terá de mudar – a começar pelos interlocutores. A vinda da Web Summit para Lisboa foi negociada pelo executivo de Passos Coelho e teve a assinatura final de Paulo Portas, pouco antes das eleições legislativas. Agora, o governo português é outro, mas o modelo da conferência prossegue, de acordo com o contrato assinado que prevê o pagamento de 3,9 milhões de euros para a realização da conferência em Lisboa durante os próximos três anos. Sobre o novo executivo, Cosgrave diz que pretende consolidar as ideias à medida que for conversando com o primeiro-ministro António Costa. E perante a expectativa de uma novidade anuncia: «O primeiro-ministro de Portugal propôs-me que se organizasse um pequeno evento com 25 pessoas importantes na tarde a seguir ao evento (principal). E isso rapidamente ganhou dimensão. O que se compreende porque há muitos ministros e presidentes de câmara que vêm ao evento – é interessante porque não tínhamos pensado fazer isto antes».

“Já não se trata de apenas startups. Há muitos CEO de grandes bancos e fabricantes de carros”, explicou hoje Cosgrave sobre a assistência da Web Summit
Handout, Sportsfile, Getty Images
Além das startups
Haverá quem recebe convites para estar presente, mas também há quem gostasse de estar presente e não possa. Pelo meio, começaram a surgir as primeiras críticas de criadores de startups que dizem que a ida à Web Summit pode nem sempre compensar. Paddy Cosgrave lembra que não há um preço único para visitar ou marcar presença no evento: «Há milhares de mulheres empreendedoras que vão poder estar nesta conferência sem custos; temos estudantes de universidade que foram selecionados para virem cá sem custos e temos ainda CEO das maiores companhias do mundo que pagam 10 mil euros para estar aqui».
E desengane-se quem julgar que a Web Summit é um conjunto de nerds que não tiram os olhos dos computadores: «Já não se trata apenas de startups. Há tantos CEO de grandes bancos e fabricantes de carros… Nos primeiros anos era apenas tecnologias, mas agora são pessoas das tecnologias que querem liderar a mudança na forma de fazer negócios. Metade da assistência trabalha em negócios tradicionais, e quer aprender como pode fazer negócios usando as tecnologias», refere Paddy Cosgrave.
Tendo em conta as 66 startups nacionais que vão marcar presença no evento, não restam mesmo dúvidas de que a Web Summit já começou a fazer mexer a “bolha” da inovação portuguesa. Mas há outros nomes grandes que seguramente não querem perder a boleia. Caixa Geral de Depósitos, que tem hoje dos braços de capital de investimento do País, já se associou ao evento. A Portugal Ventures também vai seguir o mesmo caminho. E a PT aproveitou a ocasião para lançar um concurso para a seleção de três startups com soluções na área das Internet das Coisas que irão marcar presença Web Summit.
No dia em que o Hub Criativo Beato, Lisboa, aqueceu os motores do maior evento de inovação da Europa (e eventualmente do mundo), Cosgrave não se esqueceu de recordar o caso inspirador dos fundadores da Uber que garantiram 50 milhões de dólares de investimento depois de marcarem presença numa edição da Web Summit. Como observador externo, Paddy Cosgrave não se coíbe de dar nota positiva ao ecossistema que começou a ganhar forma nos últimos anos em Portugal: «O número de empreendedores e startups que estão a vir para Portugal é muito positivo. De repente vemos empresas como a Farfetch, Codacy e a Feedzai a surgirem, e vemos a aparecerem pessoas que investem em startups. Empresas como a Codacy e Farfetch têm investimento estrangeiro».
Pode parecer que chegou a hora de Cosgrave pôr o casaco e a gravata, mas a ilusão logo se desfaz. A t-shirt veio mesmo para ficar, e não é nenhum título de governante ou secretário de estado nos muitos cartões de visita que vai receber entre 7 e 10 de novembro que o vai obrigar a tirá-la: «Nunca haverá alguém que diz (que os esforços do governo) são um exagero; logo penso que a atitude correta é exigir mais políticas para a criatividade».
Esta entrevista pode ser vista esta noite na íntegra no programa “Negócios da Semana” na SIC Notícias.