Não se percebe como se critica, por um lado, a falta de industrialização e capacidade de criação de empresas top-tier em Portugal, e por outro, se promovem políticas e procedimentos que vão completamente contra esse objetivo.
Este tipo de doutrina reduz o ritmo de desenvolvimento de start-ups como a Beyond Vision, empresa portuguesa que desenvolve drones com múltiplos sistemas de comunicação e algoritmos de inteligência artificial. Tem capital 100% nacional e é movida por cerca de 25 jovens engenheiros, na sua grande maioria com mestrados e doutoramentos nas áreas de engenharia eletrotécnica, aeroespacial, mecânica e informática.
Enquanto em países como a China o governo investe claramente em empresas de drones, sendo o principal investidor da DJI (a maior empresa mundial no sector), ou os EUA que permanentemente promovem políticas que fomentam o desenvolvimento de empresas tecnológicas, em Portugal temos exatamente o oposto: complicações constantes a nível de regulamentação e muito pouca (ou nenhuma) capacidade de resposta e/ou alternativas. Simultaneamente, quando existem oportunidades de aquisição de equipamento em concursos nacionais, manipulam-se os mesmos para garantir a aquisição de equipamento de fabrico chinês, ao ponto de se copiarem as especificações do fabricante diretamente para os requisitos do concurso, dizendo explicitamente que não se aceitam alternativas. E isto num cenário em que existem melhores soluções no nosso país, com valores equivalentes e até com mais aplicações!
Entre vários exemplos recentes poderíamos apontar o concurso público N.º 17/SRAAC/2022, lançado no dia 18 de maio de 2022, que tem como objetivo a aquisição de três drones com sensor LiDAR, no âmbito do projeto React-EU.
Neste concurso, é claramente expresso que não é admissível a apresentação de propostas variantes, sendo que são especificadas lentes unicamente suportadas por um fabricante chinês, e os requisitos técnicos dos drones são uma cópia das especificações do equipamento DJI M300, sendo inclusivamente limitado o tempo máximo de voo da solução a apresentar ao parâmetro especificado para este drone (45 minutos). Este requisito é aliás caricato porque, para este tipo de operações, seria expectável que quanto mais tempo de voo se conseguisse, melhores seriam os resultados, reduzindo custos de operação e otimizando o procedimento. Outro dos requisitos curiosos deste concurso é um parâmetro designado “tempo de funcionamento”, tendo como valor 2,5 horas. Como este parâmetro não faz sentido nas especificações de um drone, poder-se-á presumir que o mesmo foi (possivelmente) copiado da folha de características do comando do drone supracitado.
Note-se que não se trata aqui de pedir favorecimentos nacionalistas, mas antes que seja dada oportunidade real às empresas portuguesas de irem a concurso em pé de igualdade com as soluções estrangeiras e não disfarçar de concurso uma oportunidade que já tem solução específica definida. É como dizer que se quer comprar um automóvel sobre o qual não se pode especificar a marca, mas que o mesmo tem que ter um símbolo com a figura de um cavalo, ter duas portas, e ser vermelho.
Não deixa de ser estranho que empresas portuguesas premiadas pela inovação tenham sucesso em mercados estrangeiros excecionalmente concorrenciais, mas que em Portugal se vejam simplesmente excluídas de concursos públicos para aquisições para o Estado Português, porque quem elabora os concursos “tranca” no caderno de encargos requisitos específicos de marcas estrangeiras, não aceitando soluções de fabrico nacional ainda que estas tenham um produto com maior qualidade, maior capacidade, e preço semelhante.
Para nós, seria mais fácil baixar os braços e seguir uma linha de trabalho equivalente. Contudo, recuso-me a seguir o caminho mais fácil. Há que alterar o paradigma por forma a estimular o tecido industrial nacional, criando sinergias entre os vários agentes envolvidos. Este estímulo, estou certo, traria para o foco do tecido empresarial os problemas e necessidades nacionais, colocando-os na linha de desenvolvimento. Isto levaria a que as empresas nacionais se desenvolvessem no sentido correto, tendo em consequência mais capital para investir e apresentar (ainda) melhores produtos num desenvolvimento iterativo.
Termino com uma nota positiva, reiterando que a Beyond Vision vai continuar a trabalhar para crescer a elevado ritmo, colocando soluções inovadoras no mercado, com o objetivo de pôr Portugal “no mapa” das principais potências na área do desenvolvimento de aeronaves e plataformas cloud na Europa e, no futuro, fora dela. Saliento ainda que recentemente temos contactado com muitas entidades (da Marinha à Proteção Civil, do INIAV à GNR, entre tantas outras) que nos aumentam a esperança de que, um dia, estas possam ser catalisadoras de mudança.