A primeira característica em que se repara quando se conhece a Maria são os olhos. Grandes, de um azul transparente e inquiridor. Depois notamos o cabelo, forte e espesso, algo rebelde, e o sentido de humor implacável. Os olhos são do pai, o cabelo da mãe e o humor é dela. Além destas marcas que vieram com os genes, o corpo da Maria também está marcado pela falta de oxigénio a que o seu cérebro esteve exposto durante o parto. Sofre de paralisia cerebral, o que lhe dificulta o andar e a aprendizagem. Na classificação oficial, é uma criança com necessidades educativas especiais.
Depois de dois anos a viver em Espanha, com a mãe, a família achou que seria mais fácil para a Maria frequentar o sétimo ano sem o desafio extra de aprender ciências e história numa língua estrangeira. Só que com o regresso a Portugal, começou a saga de encontrar uma escola adequada. Entre junho e julho, a mãe contactou 12 estabelecimentos de ensino, a maioria privados, que responderam, invariavelmente, que o melhor seria inscrevê-la na escola pública da área de residência. Assim o fizeram. A 25 de julho, a Maria estava inscrita na Escola Secundária da Portela. Ao telefone com a mãe, e em presença ao pai, a escola avisou que não tinha capacidade de assegurar nem professor de ensino especial em permanência, nem uma funcionária para a ajudar nas deslocações com a cadeira de rodas. Parecia um beco sem saída. Só que a mãe da Maria é pequenina e ladina e de tanto perguntar e barafustar ficou a saber da existência da rede de escolas de ensino especial que permite estudar e fazer o 9º ano, com possibilidade de seguir depois para o ensino profissional.
O beco transformou-se numa rua iluminada, tendo como farol o Externato Rumo ao Sucesso, em Azeitão, a dez minutos de casa do pai e que integra a rede de Instituições Privadas de Educação Especial, subvencionadas pelo Ministério de Educação. A nível privado, a prestação seria de 600 euros. Para ter acesso à comparticipação estatal, seria preciso contactar a Direção Geral dos Estabelecimentos de Ensino (DGEstE), dando a indicação de que a Maria tinha sido inscrita na escola da Portela e a solicitar o parecer necessário para que pudesse ser transferida para o ensino especial, tendo em conta a manifesta incapacidade de a escola receber um aluno com as necessidades da Maria. Foi aí que a luz da rua foi começando a ficar cada vez mais distante, como se a rua fosse ganhando quilómetros a cada dia que passava. Além do pedido enviado à DGEstE, o pai apresentou-se também na escola, para descrever a situação. Ninguém o recebeu. Entretanto, a DGEstE atribui ao Agrupamento da Portela a responsabilidade sobre o encaminhamento da aluna para um estabelecimento de educação especial, caso considerasse não reunir as condições para responder às suas necessidades educativas.
Entra agosto e com isso as escolas fecham. No último dia do mês, a família volta à carga. Chega setembro e a DGEstE manda um e-mail à direção da Escola, a solicitar uma decisão urgente sobre a situação. Uma semana depois e sem qualquer novidade, o pai volta a insistir, a DGEstE chuta para a escola, que a dada altura deixou de atender os telefonemas dos pais da Maria e continuou sem dar resposta aos emails, com toda a documentação a descrever a sua condição e pedido de transferência. A 17 de setembro começam as aulas no Externato Rumo ao Sucesso e nada. Só a 21 de setembro a Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva emitiu finalmente o parecer. Mesmo assim, uma semana depois, continuava sem existir uma autorização para a Maria começar a frequentar as aulas na escola preparada para a receber. A 28 de setembro, a mãe, que além de pequenina e ladina, é ‘uma pessoa que conhece pessoas’, fez um post no Facebook a relatar o impasse. No mesmo dia, a DGEstE emite o despacho e quer o Externato quer o próprio organismo do Ministério da Educação contactam a família para comunicar que a Maria pode começar as aulas no dia seguinte.
A Maria está feliz. A mãe da Maria está aliviada, porém revoltada pela forma como a situação acabou por se resolver. Quantas Marias haverá por aí que não têm a sorte de ter uma mãe que conhece pessoas?