As queixas relativas ao Portal das Matrículas acumulam-se a um ritmo que demonstra bem que várias coisas estão a correr mal neste serviço. Nas redes sociais surgem relatos de verdadeiro desespero de encarregados de educação. O que se repete no Portal da Queixas, onde só na manhã de hoje já estavam publicadas quase mais 20 queixas, a adicionar a algumas centenas apresentadas nos últimos dias.
No Público, o Ministério da Educação justificou estas falhas com “um afluxo extraordinário de acessos”. No fundo, ‘a desculpa do costume’ sempre que os serviços online apresentados pelo Estado falham. Apesar de ser uma justificação tecnicamente razoável, embora fácil de resolver tecnologicamente, já era mais do que tempo de os serviços aprenderem e alterarem prazos e processos para evitar este problema. Bastaria, por exemplo, atribuir prazos específicos para cada ano de ensino ou zona do país. Já para não falar do que se ganharia com a simplificação do processo. Será realmente necessário perguntar, ano após ano, qual é o sexo da criança? Será mesmo necessário ter uma primeira página em que se pede bem mais de uma dezena de autorizações para utilização de dados? Considerando o número de vezes que as escolas recolhem informações, não seria possível ter boa parte dos formulários pré-preenchida, atribuindo ao encarregado de educação a responsabilidade de fazer as correções necessárias? Não só simplificaria a vida dos cidadãos, que, se tiverem dois ou mais filhos, têm de repetir ‘n’ vezes dados como as moradas e números de telefone, como diminuiria muito o tempo de permanência de cada utilizador na plataforma, libertando o ‘espaço digital’ para outros utilizadores.
As Finanças, por exemplo, já fazem pré-preenchimento de dados há muito tempo em processos bem mais complexos. Aliás, é sempre interessante verificar a eficiência, por vezes excessiva, dos serviços do Estado digital na cobrança de impostos – com muitos erros provados, que levaram custos grandes e injustos para os contribuintes – e a habitual ineficiência desse mesmo Estado digital na prestação de serviços aos cidadãos.
A quantidade de plataformas que, nas últimas décadas, foram criadas com pompa e circunstância à custa de muitos milhões dos contribuintes, que depois nunca chegaram a funcionar, desapareceram ou foram tornadas redundantes, é suficiente para, no mínimo, termos todo o direito de chamar incompetentes aos decisores políticos. Foi assim em várias áreas do Estado, incluindo educação, saúde e justiça. Simplesmente não tem havido um verdadeiro plano consequente da digitalização dos serviços de Estado. Tem havido, sim, vontade em mostrar um modernismo forçado, com constantes ‘começar de novo e deitar fora o que existia’.

Mas voltemos ao caso concreto do Portal das Matrículas. O “afluxo extraordinário de dados” não pode ser a única justificação. O famoso erro 503 não justifica tudo. Posso afirmá-lo baseado na experiência própria ao tentar matricular as minhas duas filhas. Há uns dias, tirando toda a má experiência de interface relatada, tudo funcionou bem para uma das crianças. O sistema estava lento, é certo, mas consegui levar o processo a bom porto (aparentemente). Passei à segunda criança, e depois de repetir novamente os mesmos dados, lá cheguei a um erro que pode ser apelidado de anedótico. Isto porque esta criança está no segundo ciclo de ensino básico e, como tal, não tem área de educação para escolher. Um campo que, naturalmente, aparecia sem opções, mas que o sistema exigia que fosse preenchido para avançar. Ou seja, o campo não tem nada para escolher, o que faz sentido, mas o sistema não deixa avançar sem escolhermos alguma coisa. Saiu, naturalmente, um LOL zangado. Mas fiz aquilo que já estamos habituados a fazer em serviços digitais do Estado: desisti com a ideia de tentar mais tarde. Sim, tornou-se tão habitual sermos mal servidos no Estado digital, que até já nem nos queixamos muito quando perdemos, literalmente, horas da nossa vida a preencher formulários online que depois resultam em nada. E, pelo menos, pensei eu, “sempre consegui matricular uma das miúdas, o que não foi nada mau considerando as queixas de outros pais”. E lá estava, perfeitamente listado na gestão do portal, a matrícula conseguida da minha filha mais velha e a mais complexa, já que ela vai mudar de ciclo e de escola.
Hoje voltei à plataforma, antes de ‘o galo cantar’, numa tentativa de garantir mais fluidez no acesso. Erro meu. Mais lento ainda. Depois de várias tentativas, lá consegui, mas para descobrir que a matrícula listada como feita tinha desaparecido da lista. Afinal, parece que nem tive sucesso com a primeira matrícula onde tudo tinha corrido bem. Mas lá avancei para a segunda. Desta vez o tal erro de preenchimento obrigatório de um campo inexistente não apareceu. E depois de uma hora a lutar com o sistema devido à lentidão e ao preenchimento, pela enésima vez, dos mesmos dados, uma informação aparece na última página de preenchimento: um erro, a indicar que já existia um processo a decorrer para aquela criança. Sim, estou a referir-me ao processo que não consegui executar devido ao bug mencionado e que nunca apareceu na listagem dos processos entregues/em avaliação. Perguntei-me, naturalmente, “então como é que um processo que não foi aceite já lá está, mas invisível, e, se já existia, por que não me avisaram logo num dos primeiros passos para não perder quase uma hora a preencher os formulários?”.
Em suma, depois de muitas horas perdidas num sistema arcaico, nem sequer consigo perceber se a primeira matrícula, aparentemente validada, é válida e nem consigo fazer a segunda porque já lá estará, algures, a ser processada. Isto e os bugs não se justificam com excesso de utilizadores. Há outros problemas.
Já não devia, é verdade, mas fico sempre surpreendido com a forma como o nosso Estado desrespeita o tempo e o dinheiro dos contribuintes.