Jony Ive tornou-se um ícone do mundo da tecnologia enquanto designer da Apple, responsável por produtos como o iPhone e o iPad. Mas como é a vida de um Chief Design Officer de uma tecnológica de software em que não há um produto físico para mostrar aos consumidores? Este foi o ponto de partida para uma entrevista a Arin Bhowmick, responsável máximo pela área de design na SAP, em São Francisco. Arin Bhowmick é licenciado em Interação Homem-Computador (HCI na sigla inglesa) e conta com mais de 20 anos de experiência em design relacionado com experiência de utilização para empresas, contando com passagens por empresas como IBM, Oracle e Progress Software.
Exame Informática: Quais são as principais diferenças e desafios de ser responsável de design de uma empresa de software por comparação com uma de consumo em que há um produto físico no final do processo?
Arin Bhowmick: Na minha perspetiva, devemos desenhar para humanos, não necessariamente consumidores ou utilizadores empresariais. Contudo, cada um deles apresenta desafios específicos. O desafio nas empresas é a complexidade e a escala. Ao contrário de alguns casos de produtos para consumo, os produtos empresariais, porque estão a ser utilizados globalmente, têm várias utilizações diferentes para o mesmo fim, que é trabalhar. Portanto, como desenhamos para isso? Torna-se intrinsecamente complexo, porque temos de ter em conta aspetos como a globalização, acessibilidade, capacidade de utilização, segurança… Todos estes aspetos tornam o design empresarial mais difícil. Mas, no fim do dia, são pessoas, são humanos que o estão a usar. Portanto, gosto de esbater essa diferença entre consumo e empresariais e dizer que são todos humanos. Todos usamos apps e queremos descarregá-las e começar a usar, pelo que tem de ser a mesma coisa no ambiente empresarial, porque é onde a próxima geração de utilizadores está a chegar. Para mim, um bom design é conseguir chegar às necessidades do utilizador, independentemente de que género seja, mas os desafios de complexidade e escala são muito reais nas empresas.
Trabalha em design de software empresarial há muito tempo. Na sua opinião, quais têm sido as principais mudanças nesta área nos últimos anos?
A barreira para a adoção tem mudado muito, especialmente com a cloud. Costumava ser o caso de este software estar disponível em CDs ou ser instalado e configurado por equipas específicas e só depois se começava a usar. Com o advento da cloud, tudo isso acabou, podemos começar logo a usar. Por causa disso, o ónus está em nós, fabricantes, para garantir que a fricção é diminuta, ou seja, que se pode facilmente entrar, começar a utilizar o produto, ser guiado em alguns pontos e aprender com o tempo. Acho que o foco na usabilidade cresceu muito, porque podemos estar ao lado do utilizador a explicar como usar. A outra coisa de que dei conta é que as empresas estão cheias des utilizadores de próxima geração, ou seja, pessoas que acabaram a universidade nos últimos anos. Estão habituados a diferentes dispositivos e não habituados a ler documentação ou aprender – querem começar logo a usar. Temos de nos adaptar para garantir que damos suporte a esta geração de utilizadores. Mais uma vez, traz foco para a experiência de utilização e acho que isso alterou a forma como abordamos o software.
Não há muitas empresas que tenham o cargo de Chief Design Officer. É uma função mais de gestão de equipas ou mais ‘hands-on’, de ‘mexer’ efetivamente no produto?
Tenho formação em design e no início de carreira comecei por trabalhar em design. Passei por Oracle, IBM e agora SAP – tudo organizações viradas para empresas e onde fiz tanto ‘hands-on’ como liderança e delinear estratégia. Portanto, para mim, ser Chief Design Officer é olhar para o design de forma transversal para todos os pontos de contacto que o cliente tem. Por exemplo, como é que um utilizador descobre o teu produto? Vai ao website? Como é que o descobriu? Como é que o testou? Como é que o tornou mais produtivo? O que acontece quando interage com o suporte? Gosto de olhar para todas estas experiências. Para mim, a definição de design é muito mais abrangente do que a interface de utilização. Também sou, no fundo, um ‘maker’, pelo que gosto de ‘meter a mão na massa’. Equilibro liderança e estratégia com produção, porque sinto que o designer em mim precisa de sobreviver. Portanto, ‘meter a mão na massa’ e ajudar a construir um produto também é algo que faço, independentemente de ser necessário fazê-lo ou não, é algo que adoro.
Como referiu, já trabalhou na Oracle e na IBM. É possível identificar diferenças culturais entre essas empresas americanas e a alemã SAP? Ou, no fundo, todas as gigantes tecnológicas desse setor são muito semelhantes?
As grandes tecnológicas têm algumas semelhanças em elementos operacionais e complexidade. Mas diria que a maior diferença, para mim, são as pessoas. Esta é uma empresa europeia e adoro a abertura das pessoas. Estou cá há cerca de seis meses e quando vou falar com alguém sobre algo nunca há problema. As pessoas estão genuinamente mais disponíveis para ajudar. Do lado alemão são muito bons nos processos e engenharia. Acho que se houver um problema muito difícil para resolver e o entregar aos meus engenheiros na Alemanha, sei que será muito bem resolvido. Do lado americano, acho que a inovação anda a uma velocidade maior, são mais dados a experimentalismos. Portanto, o que adoro fazer é pedir ajuda aos meus colegas europeus nas partes de processos e framework e depois misturar com o maior experimentalismo que pode vir de outros países, juntando essas vertentes.
Na sua bio de Twitter refere que está “numa cruzada para trazer o sexy de volta ao software empresarial”. Como está a correr essa jornada?
Acho que temos um longo caminho pela frente para trazer o sexy de volta ao software empresarial. Parcialmente porque na maioria das aplicações de negócio a experiência de utilização era negligenciada. Costumava ser assim, agora tem mudado muito. Antes pensava-se na tecnologia e funcionalidade primeiro, e achava-se que os utilizadores chegariam depois. E se os utilizadores não soubessem usar, dava-se documentação. A documentação não chegava? Dava-se formação. Enquanto designer, sinto-me mal por termos tantas boas experiências à disposição nos dias de hoje na Internet, nas apps móveis… – porque é que o software empresarial não pode ser assim? Não há falta de habilidade, de talento de design para produzir essas coisas… Para mim, a cruzada é uma mudança de mentalidade. Devemos fazer os nossos sistemas mais intuitivos para que cumpram a sua função, os utilizadores saiam satisfeitos e possam dedicar mais tempo a outras coisas mais divertidas do que ter de ir a uma formação para conseguir usar um software – isso não é algo que o mundo precise nesta fase. É mesmo uma cruzada porque não é apenas uma mentalidade corporativa, todos os clientes também precisam de ter uma fasquia mais elevada. Acho que terei emprego por muito tempo…