Um milhão de sons diferentes a tocar ao mesmo tempo. É esta a escala que é possível alcançar com o software de design de áudio Sound Particles, desenvolvido pela startup portuguesa com o mesmo nome que nasceu em Leiria. Daí que quanto maior for a produção de um filme, de uma série ou de um videojogo, melhor. “É perfeito, encaixa como uma luva neste tipo de abordagem”, diz Nuno Fonseca, fundador da empresa, em entrevista à Exame Informática.
Nesta quinta-feira chega mais uma megaprodução às salas de cinema com a influência do software português: Dune, um épico de ficção científica, realizado por Denis Villeneuve (Blade Runner 2049, The Arrival). “Sem o nosso programa, ia demorar muito mais tempo [a produzir a parte sonora], a escala ia ser muito mais pequena. Fariam as cenas com dezenas de sons, com o nosso software podem ir para as dezenas de milhares. E ao nível da qualidade do som, soa muito mais natural”, diz o criador português sobre as vantagens que a Sound Particles traz para esta tipologia de produções cinematográficas. “Conseguimos cenas épicas, mas com detalhe, não são mascaradas, não ficam poluídas do ponto de vista do ruído, é uma situação muito mais verdadeira, mais próxima da realidade”, sublinha.
O que este software faz é usar técnicas de computação gráfica e efeitos visuais, mas aplicadas à componente de áudio. Nuno Fonseca faz uma analogia com software de edição de imagem: enquanto o Photoshop é bom para editar imagens em 2D, são ferramentas como o Maya ou o Blender que permitem editar as imagens num ambiente tridimensional. Os editores de áudio tradicionais, mesmo os mais avançados, sempre funcionaram como o ‘photoshop’ para sons, em duas dimensões. Nestes programas, os editores limitavam-se a ‘empilhar’ faixas de áudio para criar uma envolvência sonora mais completa. O Sound Particles trouxe outra dimensão, literalmente, ao processo.
“O que fizemos foi criar software nativamente 3D. Temos um espaço virtual infinito, vazio, e vamos pondo lá fontes sonoras. Depois temos microfones virtuais que captam aquilo que acontece. Usamos um sistema de partículas para criar milhares de instâncias [sonoras]. Com o Sound Particles consigo, em 15 minutos, dizer que quero dez mil sons espalhados por um quilómetro quadrado, importar 200 sons de guerra e meter os microfones a captar tudo isso. Conseguimos fazer coisas com uma escala muito maior”, detalha o diretor executivo da empresa.
“Como estamos a simular ao nível do 3D, vamos ter milhares de sons muito afastados do microfone, estão a adicionar ao retumbar de som de fundo, e alguns vão ser extremamente detalhados”, explica o porta-voz da empresa. Além disso, é possível combinar o Sound Particles com o Maya ou Blender para que o software extraia a informação da animação 3D para fazer com que o som “bata perfeitamente com a imagem”.
O som do sucesso
O negócio da tecnológica leiriense vai de vento em popa. Nuno Fonseca não revela a faturação anual específica, mas garante que a Sound Particles tem crescido a um ritmo de 70% ao ano. Mesmo em 2020, quando a indústria cinematográfica quase parou por causa da pandemia, a empresa conseguiu faturar mais do que em 2019. E em menos de dez meses, neste ano, já faturou mais do que em 2020.
Isto acontece também porque a área do áudio imersivo está a explodir – “toda a área do entretenimento está a mudar para som 3D”, diz-nos – e a Sound Particles começa a afirmar-se no segmento dos videojogos, a maior indústria de entretenimento do mundo. “Neste momento temos clientes que vão desde a Blizzard, à Epic Games, PlayStation e Ubisoft. Temos cada vez mais diversidade na área dos videojogos”, revela. Fortnite, o jogo mais popular dos últimos anos e que ainda conta com uma base diária de jogadores que chega a ultrapassar os 12 milhões de pessoas, é um dos clientes do software português.
“Nos videojogos e na realidade virtual, o som é fundamental para a sensação de imersão. Somos sempre muito encantados pela parte visual, mas o som é que quase entra sorrateiramente no nosso cérebro e nos faz acreditar ou não que estamos naquele mundo”, diz sobre o maior interesse das empresas de videojogos pela tecnologia.
Recentemente, a Sound Particles recebeu inclusive um apoio financeiro da Epic Games, uma das maiores produtoras e editoras de videojogos do mundo, para garantir uma melhor compatibilidade do software de áudio com motores de desenvolvimento de videojogos (incluindo o Unreal Engine, da própria Epic).
Quanto ao negócio, e já com uma proposta de aquisição recusada, confidencia Nuno Fonseca, a empresa promete continuar a trabalhar naquilo que sabe fazer melhor. “Temos uma lista com 300 funcionalidades que ainda queremos acrescentar ao software. Isto é a ponta do icebergue”.