É um salto evolutivo que pode não ser tão visível como outros que estão a acontecer, mas há cada vez mais tecnologia dentro dos carros e um cada vez maior número de veículos que estão ligados à internet. E tanto pode ser um sistema de telemetria essencial na gestão de uma frota de distribuição, como podem ser veículos que registam e comunicam informações dos seus próprios componentes ao fabricante.
“A quantidade de dados que estão a viajar entre os veículos e a cloud está a aumentar exponencialmente”, explica João Barros, diretor executivo (CEO) da Veniam, em entrevista à Exame Informática. E a empresa do Porto entra agora num ponto de viragem.
Atualmente, existem cerca de mil veículos em diferentes países – Portugal, EUA, Singapura, entre outros – equipados com a tecnologia da Veniam. Mas o software da empresa pode agora chegar a veículos mais recentes, que aceitam atualizações de software através de ligações sem fios (OTA, de Over The Air). Até ao final do ano, a tecnológica portuguesa espera aumentar para 200 mil o número de veículos conectados com a sua plataforma instalada.
Mas a grande novidade é outra: a partir do próximo ano, deverão chegar ao mercado os primeiros veículos já com a tecnologia da Veniam integrada de origem. “Temos acordos de confidencialidade, não podemos divulgar as marcas, mas ao longo dos próximos 12 meses talvez possamos ir anunciando. Os primeiros a saírem de fábrica já com o software estão previstos para 2022”, revela o executivo.
“A Veniam é a primeira empresa no mundo a conseguir ligar esses veículos em movimento a milhões de hotspot Wi-Fi disponíveis em infraestrutura”, destaca ainda João Barros.
Internet of Moving Things
A Veniam desenvolve uma plataforma de rede inteligente que permite a veículos e outros objetos em movimento – daí a designação de Internet of Moving Things (Internet das Coisas que se Movem, em tradução livre) – trocar grandes quantidades de dados entre si e a cloud a um custo muito inferior aos métodos mais convencionais, que envolvem uma ligação de rede móvel.
“A Veniam traz uma solução para o mercado extremamente atrativa, porque consegue enviar todos esses dados através das redes Wi-Fi existentes, o que faz com que o custo de 1 GB de dados seja entre 50 e 80% inferior ao que essas empresas pagam aos operadores de telecomunicações”, destaca o CEO.
A lógica do sistema é simples: nem todos os dados necessitam de ser comunicados no minuto em que são gerados. O software da Veniam permite fazer uma gestão inteligente destes dados e ‘descarregá-los’ nos sistemas online das empresas assim que for estabelecida uma ligação a um hotspot Wi-Fi. E onde é que o carro se liga ao Wi-Fi? Bem, nos dias que correm, praticamente em todo o lado.
“Os hotspots Wi-Fi estão por toda a parte. Transformamos os routers Wi-Fi, na cidade ou na aldeia, em pontos de acesso público. A densidade é tão significativa nos meios urbanos que os veículos encontram hotspots de 20 em 20 segundos, é a mediana. Nas zonas suburbanas, é semelhante, e chegam a enviar até 500 MB de dados por hora. Ao final do mês, são dezenas de gigabytes de dados poupados”, explica o cofundador da Veniam, empresa que conta ainda com Susana Sargento, Roy Russel e Robin Chase na lista de fundadores.
Já em meios mais rurais, o envio de dados para a cloud pode demorar algumas horas, mas seja em estações de serviço ou em restaurantes e cafés, também existem pontos de acesso público que permitem baixar o consumo de tráfego de internet móvel nos veículos.
A Veniam diz ter parcerias com vários operadores de telecomunicações e empresas agregadoras de hotspots Wi-Fi, que permite ao sistema da empresa ligar-se a diferentes pontos de acesso sem a necessidade de intervenção e interação do condutor do veículo.
Mas esta é apenas a parte da gestão automática que é assumida pelo software. Ao todo, a ferramenta tem quatro grandes funcionalidades: a gestão das ligações aos hotspot Wi-Fi, incluindo escolher sempre o melhor ponto de acesso e conseguir estabelecer a ligação em menos de dois segundos; a gestão de segurança, garantindo as credenciais necessárias para entrar nessas redes, assim como a anonimização dos dados relativamente ao posicionamento, para que ninguém possa seguir o veículo; a gestão dos dados do veículos – se são enviados agora, que dados podem ser enviados mais tarde, estabelecendo diferentes níveis de prioridade; e, por fim, o quarto elemento é a gestão de políticas a partir da cloud, como as ações que determinados serviços executam em função das redes a que estão ligados.
E ao marcar presença num cada vez maior número de veículos, a tecnológica portuguesa começa a posicionar-se noutro segmento que promete ter grande procura no futuro: redes em malha para transmissão de informação entre veículos. “Se souber que numa região todos os veículos têm os limpa-para-brisas ligados, consigo fazer inferências sobre a estrada”, explica João Barros, que neste caso, será um indicador de que está a chover.
“Quando pensamos que há informações em tempo real de como está o trânsito ou a atualização de um mapa, não há motivo para usar ligações 4G ou 5G, quando podemos obter essa informação dos veículos com que nos cruzamos. Aí passamos para um verdadeiro sistema de mobilidade, não são apenas máquinas de transporte, os dados são usados para melhorar a qualidade de vida das pessoas”, antecipa o CEO da Veniam.