Chama-se Magno e tem o mesmo objetivo de tantos outros software: simplificar a vida aos seus utilizadores, ajudando-os num processo que, tradicionalmente, é complexo. Há quem o faça para gestão e emissão de faturas, para proteção contra piratas informáticos ou para o desenvolvimento de aplicações. A Pepdata escolheu uma área menos comum, mas que é prioritária na agenda política europeia e portuguesa: o combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Como é que um software ajuda nesta missão? Simplificando a tarefa que muitas empresas têm – mas não sabem – de registo de transações e de informações diretamente ligada a essas transações. Em Portugal, a Lei nº 83/2017 (58/2020) define que sempre que exista “uma transferência de fundos de montante superior a 1.000 euros”, a mesma tem de ser registada e cumprindo, simultaneamente, um total de dez deveres (de controlo, identificação e diligência, comunicação, entre outros). Se o registo não for feito e se houver uma fiscalização, a empresa estará em incumprimento. Daí a oportunidade para um software neste segmento específico.
“É uma plataforma que desburocratiza o cumprimento da lei e faz com que as pessoas cumpram a lei na sua totalidade”, começa por explicar Filipe Cruz, diretor executivo (CEO) da Pepdata, empresa responsável pelo Magno, em entrevista à Exame Informática. “O que o cliente faz na nossa plataforma é registar a transação e tudo o que a envolve: quem é o comprador, porque está a vender, quem está a comprar, o representante legal, como vai pagar, etc. [O software] Faz esta verificação toda”.
O software atribui depois um grau de risco àquela transação, tendo em conta elementos como os documentos submetidos, discrepância de informações (como uma morada) e os próprios intervenientes da transação. O nível de risco é calculado por um algoritmo desenvolvido pela Pepdata e vai ser o resultado final que vai determinar o que a empresa precisa ou não de fazer relativamente àquela transação. Imaginando que o risco é elevado, o software aconselha a que a transação seja revista – e depois aprovada ou rejeitada – pelas chefias da empresa. Nos níveis mais elevados de risco, há também a opção para reportar a transação às autoridades.
Por esta altura pode estar a pensar que quem pratica crimes de branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo não vai usar o Magno. “Nós não somos uma entidade inspetiva nem coisa do género. Desburocratizamos as empresas. Ajudamos ao máximo as empresas a cumprirem este processo, facilitando-o”, explica o executivo de 41 anos. Mas isso não significa que a infraestrutura que alimenta o software não ajude a apertar, cada vez mais, a malha sobre a corrupção em Portugal.
Negócios de família
O Magno recorre a uma lista pré-definida de pessoas na tentativa de encontrar uma correspondência com os protagonistas da transação. Esta lista é composta por pessoas que sofreram sanções, que fazem parte de listas de terrorismo ou que pertençam às chamadas Pessoas Politicamente Expostas (PEP no acrónimo em inglês).
O termo engloba as pessoas singulares que desempenham, ou desempenharam nos últimos 12 meses, em qualquer país, funções públicas proeminentes, e isto vai de deputados, a presidentes e vereadores de câmaras municipais, diretores de escolas públicas, até chefes de Estado, chefes e membros do Governo, entre muitos outros.
É aqui que está um dos segredos do Magno e da Pepdata. Tal como o nome dá a entender, a empresa, que surgiu em 2018 – criada por Filipe Cruz e André Pinheiro, 28 anos, atual diretor de tecnologia – começou a sua atividade com criação de uma lista de PEP o mais completa possível para o mercado português, sobretudo para responder a necessidades específicas do setor financeiro, como a banca. Segundo o CEO, a lista de PEP portugueses que têm é composta por 125 mil pessoas. Algumas listas de empresas internacionais apenas identificam até quatro mil PEP em Portugal. E o simples facto de ser um PEP, no software Magno, já é motivo para afetar o nível de risco da transação.
“Nós começamos por construir os PEP através de fontes oficiais, como o Diário da República Eletrónico, sites do Governo, sites das câmaras, juntas da freguesia”, exemplificou o líder da Pepdata. A estes registos junta-se o de “muitos familiares, durante três anos fomos ao Instituto dos Registos e Notariado para cruzar essa informação”. Em breve passará também a fazer parte da lista do Magno um registo de empresas, que permitirá cruzar os sócios das empresas com os familiares dos e os próprios PEP, criando uma malha gigante e muito mais apertada para a identificação de casos de corrupção.
Ou seja, quantos mais registos de informação tiver o sistema de classificação do Magno, maior o potencial para identificar sobretudo tentativas de branqueamento de capital – ainda para mais começando a englobar ligações pessoais diretas e indiretas de quem pode representar um maior risco nas transações. “Podemos chegar às 200 mil pessoas em Portugal”, adianta Filipe Cruz.
Mas a evolução do software não vai ficar por aqui. A Pepdata está também a estudar a integração das chamadas notícias adversas como mais um elemento de classificação do nível de risco da transação – por exemplo, se for noticiado que um deputado mentiu relativamente à sua morada de residência oficial, este elemento irá pesar, negativamente, na classificação dessa pessoa.
Lançado em outubro deste ano, o Magno está disponível para já apenas em versão gratuita, como uma forma de consciencializar – e atrair – mais empresas para a necessidade de cumprimento de registo de transações à luz da lei de combate ao branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo. Os planos pagos serão lançados em 2021.