Um consórcio que junta 22 organizações portuguesas vai investir 100 milhões de euros na criação de um Centro de Inteligência Artificial Responsável (Center for Responsible AI, no original em inglês). O objetivo é fazer de Portugal uma referência mundial no desenvolvimento de Inteligência Artificial (IA) responsável – uma no qual os algoritmos são imparciais, transparentes e sustentáveis. Ou como foi referido várias vezes nas intervenções que antecederam a apresentação do centro, partir a “caixa negra” da IA, numa referência aos sistemas de IA criados com conjuntos de dados enviesados, algoritmos opacos e com objetivos de funcionamento pouco éticos ou claros.
“Queremos criar um ciclo virtuoso entre os centros de investigação e as startups, que é algo que nunca foi feito a esta escala em Portugal. Vamos ter sete centros de investigação, que são líderes em Inteligência Artificial, que vão desenvolver projetos de investigação nesta área, focados naquelas que nós acreditamos que são as tecnologias de Inteligência Artificial do futuro”, explicou Paulo Dimas, diretor de inovação da Unbabel e porta-voz do consórcio, em entrevista à Exame Informática.
A startup especializada em sistemas de tradução de IA é a líder deste consórcio, que conta com mais três startups fundadoras: Cleverly, Feedzai, e Talkdesk. O consórcio é constituído por um total de 10 startups (como a Ydata, a Automaise e a NeuralShift, entre outras), sete centros de investigação (como a Fraunhofer Portugal, a Fundação Champalimaud e o INESC-ID, entre outros) e cinco empresas de grande dimensão já estabelecidas no mercado (como a Bial, a Sonae e o Hospital de São João, entre outros).
“Queremos criar um Spotify da Inteligência Artificial responsável, queremos criar os próximos líderes de categoria, com isso escalar estes produtos à escala global e criar imenso valor para o País a partir daí”, destaca ainda Paulo Dimas.
O mega investimento deverá traduzir-se na criação de 300 empregos diretos altamente qualificados nos próximos quatro anos e apoiar 138 estudantes de doutoramento e mestrado nas áreas de Inteligência Artificial, Aprendizagem Automática e Ciência de Dados.
Isto caso o consórcio, que é um dos projetos candidatos aos fundos europeus do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), venha a ser selecionado. Se não for selecionado para o PRR, o projeto será desenvolvido na mesma, mas “não avançará com esta velocidade”, sublinha Paulo Dimas. “A diferença que o PRR pode fazer é a aceleração, vai permitir acelerar muito o desenvolvimento destes produtos, no fundo criar uma massa crítica que aumente a competitividade portuguesa, tornar estes produtos mais competitivos a nível global”, acrescenta.
Novos produtos e um laboratório
O plano do Centro de Inteligência Artificial Responsável já está traçado e pode ser dividido em três áreas: IA aplicada às ciências da vida; IA aplicada ao apoio ao cliente; e dados que alimentam sistemas de IA.
Na área das ciências da vida, o projeto de referência é apelidado de Tradução para Ensaios Clínicos. A Unbabel está a desenvolver sistemas de tradução para dados clínicos em diferentes idiomas. Ao acelerar a tradução dos resultados obtidos por diversos centros de investigação e testagem, é possível acelerar o processo dos ensaios clínicos e, de forma indireta, acelerar a chega de novos fármacos ao mercado. “Tudo aquilo que permite encurtar o tempo é benéfico, acelera o desenvolvimento de novos medicamentos”, explica Paulo Dimas.
Já na área do apoio ao cliente, a Talkdesk está a desenvolver o Agent Assist, uma tecnologia que tem como objetivo ajudar a automatizar até 80% das interações dos centros e serviços de apoio ao cliente. Por fim, na área dos dados, o consórcio pretende criar um mercado de dados para ferramentas de IA, à boleia da tecnologia que está a ser já desenvolvida pela startup Ydata, “que representem de forma igual pessoas de diferentes sexos e de diferentes raças”, explica ainda o porta-voz da iniciativa.
Outro projeto bandeira do centro será a criação do RAIL – acrónimo em inglês para Laboratório de Inteligência Artificial Responsável –, um espaço no qual vão ser exploradas as utilizações maliciosas ou preconceituosas de sistemas de IA. Este será também um espaço aberto ao público, quase como uma espécie de salão de exposição, no qual as pessoas poderão ver experiências de produtos de IA que são considerados como perigosos.
“Quando chegarmos ao fim destes quatro anos, acho que este centro vai ser um íman para atrair talento à escala global e para reter talento à escala nacional”, concluiu Paulo Dimas.