Johanna Nordell, líder da área de Casas com Inteligência da Ikea, promete mais tecnologias no mobiliário que usamos em casa – sempre sem pôr em risco a lógica de produtos democráticos, que estão ao alcance de qualquer bolso. A tecnologia está a transformar o lar – mas será que já chegou a hora de deitar fora as estantes de livros e CD?
Todas estas tecnologias provavelmente transformaram o uso que as pessoas fazem do lar… ou do mobiliário doméstico. Será esta uma oportunidade de negócio para empresas como a Ikea?
Sim, é uma oportunidade, sem dúvida. Em 2012, começámos a olhar para o que significa uma casa inteligente para a Ikea. É engraçado, porque decidimos não chamar (a este projeto) Ikea Smart Home, mas sim Ikea Home Smart (tradução possível para este jogo de palavras: em vez de “casa inteligente da Ikea”, a marca optou por “Casa com Inteligência da Ikea”). Nós viemos da área do mobiliário para ambientes domésticos; enquanto outras empresas sempre abordaram este tema pelo ponto de vista das tecnologias. Temos acesso a todas as diferentes divisões e atividades em ambiente doméstico e, claro, temos a oportunidade de as tornar mais inteligentes, com a integração de soluções inteligências. Não viemos da área geek, mas queremos criar soluções fáceis de usar e entender e que, realmente, resolvem necessidades dos consumidores quando estão em casa. Estamos perante uma grande oportunidade, pois somos uma marca de mobiliário. Como é que podemos integrar inteligência no mobiliário doméstico e trazer vantagens às pessoas? Trata-se de resolver necessidades. Não fazemos coisas apenas porque conseguimos e é fixe. Têm de fazer sentido.
E faz sentido para a Ikea vender mobiliário com tecnologia de forma mais intensiva?
Sim. Em 2015, começámos a apostar nos carregadores sem fios (para baterias de gadgets). Foi o nosso primeiro produto lançado. Sabíamos que as pessoas tinham essa necessidade. As pessoas odeiam cabos. Vimos aí uma oportunidade para integrar carregadores sem fios em ambiente doméstico, que tanto podem ser integrados em candeeiros ou em mesas de cabeceira. Também sabíamos que as pessoas querem criar atmosfera nas suas casas e que também querem ter aquela sensação de segurança que costuma ser dada pela iluminação. E depois avançámos para a área do som, porque sabíamos que o segundo fator que ajuda a criar atmosfera em casa é a escuta de música. Tivemos de entrar nessas áreas para criar atmosfera numa casa. E temos ainda as cortinas, as cortinas inteligentes… que estão muito associadas à criação de atmosferas e à privacidade e à conveniência associada ao ncontrolo da luz do dia em casa.
Provavelmente, é só o início… faria sentido mobiliário adequado para suportar ecrãs de maior dimensão, consolas ou computadores portáteis, que nem sempre são fantásticos em termos de ergonomia… especialmente quando se tem de trabalhar em teletrabalho, como passou a acontecer com muita gente durante a pandemia Covid-19?
Há alguns meses, a Ikea decidiu evoluiu este projeto de desenvolvimento de negócio para uma área de negócio. O que significa que vai tornar-se uma iniciativa de grande dimensão da Ikea, e que mostra que queremos investir bastante nas casas inteligentes. Estamos a entrar numa fase mais ligada ao produto. A ergonomia de que fala é um trabalho que terá de ser feito pelo nosso departamento de ambientes de trabalho. Nós, na área das casas inteligentes, trabalhamos mais com produtos conectados para o nosso ecossistema, que pode ser controlado através da nossa app ou da nossa gateway… mas também temos produtos não conectados, como os carregadores sem fios. Também temos a nossa gama de colunas que funcionam por Bluetooth… claro que temos outros produtos inteligentes, que lidam com a ergonomia. É um tema quente do momento. Até porque há também todas as necessidades relacionadas com os videojogos. Somos uma empresa cheia de curiosidade; sempre tentamos dar resposta às necessidades que as pessoas têm em casa. Claro que a vida em ambiente doméstico está a mudar imenso, até devido a toda a tecnologia e gadgets que hoje usamos.
A integração de tecnologias levou a Ikea a fazer alianças com outras marcas…
Temos uma parceria com a Sonos, em torno de umas colunas. Essa é também uma abordagem que temos seguido. (No caso das colunas) Estamos a entrar numa nova área, que é o som, onde não temos tanta experiência. Queremos aprender com os parceiros e construir produtos que tiram partido dos pontos fortes de cada um. É o que temos feito com a Sonos. Eles fornecem os sistemas de som e a experiência musical e a Ikea oferece o conhecimento na área do mobiliário. Juntos, podemos criar estes produtos que nenhuma das marcas conseguiria criar sozinha. Foi o que aconteceu com a estante com colunas e o candeeiro de mesa. No caso do candeeiro, é uma peça muito bonita, que tem uma coluna integrada. No caso da estante com coluna, podemos instalá-la na parede, ou como tenho no meu quarto, como uma mesa de apoio para a cama. E também é possível instalá-la cozinha. É um produto muito apreciado… é apenas um exemplo de parceria. Haverá mais a caminho no futuro…
Temos uma gateway que pode ligar a todo o tipo de equipamentos e que permite controlar todos esses equipamentos por voz, através das tecnologias da Google e da Amazon
Johanna Nordell
Com que marcas serão feitas essas parcerias?
Não posso referir. O que posso dizer é que o nosso objetivo passa pela magia gerada pela combinação (de tecnologias e mobiliário). Apostamos na colaboração. E é também essa a nossa estratégia: quando entramos para uma nova área, procuramos novos parcerias, porque acreditamos em parcerias fortes. Acontece o mesmo com as integrações com a Google ou a Amazon… podemos controlar os nossos produtos por voz. Podíamos tentar criar uma plataforma de voz por nós próprios, mas acreditamos em parcerias com as maiores marcas (de diferentes áreas tecnológicas).
Até à data, a domótica tem apresentado como principal desafio a dificuldade de integração de diferentes sistemas…
Ainda estamos no início no que toca às casas inteligentes. Estamos a dar pequenos passos. Para já, o objetivo é dar resposta a necessidades dos consumidores. Queremos chegar ao maior número de pessoas possível… e para a maioria das pessoas, ter um controlo remoto de uma luz pode ser uma coisa muito inteligente! Estamos muito longe de ter uma Ikea dedicada à robótica. Temos uma gateway que pode ligar a todo o tipo de equipamentos e que permite controlar todos esses equipamentos por voz, através das tecnologias da Google e da Amazon. Temos hoje um sistema fechado, mas as pessoas querem controlar e usar cada vez mais coisas… e por isso é algo em que estamos muito interessados e que estamos a analisar. Mas atualmente temos um sistema um pouco mais fechado, que permite controlar os nossos sistemas de casas inteligentes a partir da nossa app.
Portanto, a evolução vai no sentido de criar um ecossistema mais aberto.
Sim, somos membros da Zigbee Alliance (entidade reúne várias marcas que trabalham com o standard de comunicações sem fios Zigbee). É algo que nos dá a oportunidade de interagir e investir no futuro. Estamos apostados em democratizar produtos inteligentes. Ser membro da Zigbee Alliance abre-nos igualmente essa oportunidade. Vamos ver o que o futuro nos reserva.
Provavelmente, a integração de produtos vai implicar um aumento de preços… como é que o marketing da Ikea lida com essa eventualidade?
Queremos chegar ao maior número de pessoas possível, e para chegarmos a a esse número de pessoas temos de lançar coisas com preços que sejam acessíveis. E sempre trabalhamos com um design democrático – e um dos elementos chave da Ikea é o preço acessível. Mesmo nos produtos que tornam as casas inteligentes, tentamos baixar os preços o máximo que for possível. Queremos criar uma gama de produtos abrangente em que qualquer pessoa pode entrar para ter uma casa inteligente. E por isso queremos criar mais produtos, para que as pessoas consigam criar os seus próprios ecossistemas também. A tecnologia é uma indústria muito rápida a mexer-se; pode exigir grandes investimentos ao início, mas também desce esses custos muito rapidamente, à medida que mais empresas vão entrando. Claro que teremos de fazer produtos que sejam acessíveis para a maioria das pessoas…
… Os produtos inteligentes e que têm tecnologias integradas não vão ser mais caros que aqueles não têm nada disso?
Esse é o objetivo. Essa foi uma questão que se colocou quando as pessoas começaram a tentar instalar sistemas de controlo de iluminação inteligentes, e depois tinham de contratar os serviços de eletricistas que nem sempre são baratos, para instalar um controlador na parede. Com o nosso kit pré-montado, é possível ter esse equipamento por um preço de 10 euros, sem os custos do eletricista.
Mas as estantes de CD, já não as vendemos há alguns anos. E agora já valem bastante dinheiro, porque é difícil encontrá-las no mercado. Mas sim, há mobília que pode acabar por desaparecer
Johanna Nordell
Possivelmente, estas gamas de mobiliário também terão de recorrer em novos materiais…
Claro que há novos materiais, quando se compara com a mobília tradicional… a Ikea tem como prioridade a sustentabilidade. Estamos muito interessados em encontrar materiais inovadores, que também são bons para o ambiente. É um tópico superinteressante: saber como é que podemos avançar na área da eletrónica, recorrendo a materiais reciclados. A Ikea nunca tinha lançado um chip num produto… e agora temos o nosso chipset incluído nos nossos produtos inteligentes. Para nós, já é um novo material… pois nunca tínhamos tido nada do género.
A evolução tecnológica é rápida e levará grande parte dos equipamentos de hoje a ficarem obsoletos em meia dúzia de anos… mas a mobília pode passar de geração para a geração… e assim chegamos às estantes que, hoje, estão cheias de livros, mas no futuro, até poderão não ser muito úteis, se toda a gente passar a ler livros eletrónicos ou descarregar música e vídeo da Internet!
A vida em casa está a mudar e as situações do dia-a-dia também. Há cada vez mais pessoas a partilhar espaços de habitação, e muitas pessoas já se sentem mais em casa fora de casa; eventualmente essas pessoas até se sentem mais em casa quando estão no trabalho, ou nos cafés que estão à volta. As necessidades de uma casa estão a mudar. A casa é importante; é o local em que nos sentimos seguros, e onde se tem o sentimento de bem estar caseiro. Mas as estantes de CD, já não as vendemos há alguns anos. E agora já valem bastante dinheiro, porque é difícil encontrá-las no mercado. Mas sim, há mobília que pode acabar por desaparecer. O móvel da TV (na sala de estar) poderá desaparecer se as pessoas começarem a ver tudo no tablet. É por isso que achamos que é muito importante seguir tendências, e todos os anos publicamos uma coisa a que chamamos Life at Home Report quase todos os anos, com entrevistas de todo o mundo, para entendermos a vida em casa. E temos recebido vários contributos. Conhecemos os dilemas e as necessidades que as pessoas querem resolver. A vida em casa está a mudar. Poderá não haver uma necessidade de uma estante de livros no futuro, mas parece-me que as estantes de livros vão continuar a existir por aí… é um dos nossos produtos de assinatura. Mas não restam dúvidas de que a vida em casa está a mudar.