A A.P. Møller-Maersk é daquelas empresas que faz o mundo mexer – literalmente. Ao ser responsável pelo transporte de mais de 20% dos contentores de mercadorias a nível global, muitos dos produtos que temos à nossa volta no dia-a-dia passaram pelas ‘mãos’ desta gigante dinamarquesa. Não é por isso de estranhar que no dia em que a Maersk parou, uma parte do mundo parou com ela.
Era meio-dia e Rui Pedro Silva estava em Londres, Reino Unido, para uma reunião com os responsáveis pela área de infraestrutura da Maersk. “Estava no computador a escrever um email e de repente ficou com uns caracteres completamente manhosos”, recorda o agora diretor de estratégia tecnológica da empresa. No princípio pensou que tinha sido um erro cometido pela equipa técnica, mas depois lembrou-se de uma conferência na qual tinha participado sobre o ransomware WannaCry e sobre a resposta que deve ser dada nesses casos.
“Passado um minuto ou dois aquilo começa a acontecer a mais pessoas. A minha primeira reação foi tirar o computador da doca, mas houve quem dissesse ‘agora tenho que trabalhar’”. Depois deste incidente regressou de emergência aos Países Baixos – a Maersk tinha sido atingida pelo software malicioso que viria a ser conhecido por NotPetya, encriptando os computadores infetados.
“As três semanas seguintes foram a coisa mais assustadora e incrível que vi até à data”, conta o executivo em entrevista à Exame Informática. “No dia seguinte entrei no escritório e não havia rigorosamente nada. Não havia internet, não havia telefones, havia uma sala de crise em que nos diziam ‘temos de ir à Media Markt comprar portáteis’”.
Rui Pedro Silva assim fez. Agarrou em dois sacos e voltou com seis computadores portáteis – no total a Maersk viria a ‘perder’ 60 mil computadores com o ransomware NotPetya. Foi a partir destes portáteis comprados em cima do joelho, de grupos no WhatsApp, de muitas chamadas telefónicas – algumas a durarem mais de 12 horas – e de gabinetes de crise que a equipa técnica da Maersk, juntamente com a colaboração de empresas como a IBM, a Microsoft e peritos em cibersegurança, começou a fazer a recuperação do desastre.
“Em meia dúzia de dias estávamos a processar dados outra vez. Montámos equipas de resposta brutais em Inglaterra e Dinamarca”, relembra. Com muitos trabalhadores a escolherem fazer horários prolongados para ajudar na recuperação da empresa, foi montada uma rede de transporte com a Uber para que os funcionários não tivessem de conduzir cansados. “É uma coisa incrível: quando não estás em modelos de emergência, somos muito políticos e há agendas pessoais. Quando estás em modelo catástrofe, isso desaparece tudo e é literalmente toda a gente a caminhar para a mesma direção. Foi uma experiência absolutamente incrível.”
Ter feito parte da equipa que coordenou a resposta à crise do NotPetya na Maersk – que provocou prejuízos na ordem dos 300 milhões de dólares à empresa dinamarquesa – é uma das medalhas que Rui Pedro Silva ostenta com orgulho. “Passares por isso dá-te uma bagagem incrível de gestão de crises, de gestão emocional, de entendimento de como é que as pessoas conseguem trabalhar em stress, o que é bom e o que não é, como deves e como não deves puxar pelas pessoas, e como é que tu crias um propósito para alinhar pessoas na mesma direção.”
Na semana passada o português de 33 anos, nascido em Fão, Esposende, passou a poder exibir outra medalha – a de melhor líder de tecnologia da Europa na categoria de negócio (Business to Business), nos prémios European CIO of the Year (ECOTY). A distinção foi atribuída pela CIONET, organização internacional que agrega mais de sete mil executivos ligados ao segmento das tecnologias.
De um curso por terminar a um gigante mundial
O percurso académico de Rui Pedro Silva começa na Universidade do Minho, onde estudou engenharia de telecomunicações. Um ano e meio depois, por já se ter “queimado” algumas vezes, percebeu que aquele curso não era para si. Na altura a viver em Guimarães, começou a enviar currículos para Lisboa e acabou por ser recrutado pela Nokia Siemens. “Foi o meu primeiro emprego na área de desenvolvimento”, diz.
A passagem pela multinacional das telecomunicações durou apenas quatro semanas. “Costumo dizer que sou empreendedor por conta de outrém, não gosto de coisas que são muito lentas, muito paradas”. Não é por isso de espantar que no período de apenas alguns anos Rui Pedro Silva tenha amealhado passagens e trabalhos na consultora espanhola Indra, na portuguesa Mindsource – na qual trabalhou em projetos do banco BCP –, na também portuguesa Sonae, na alemã Trelleborg Group e na americana WIB Technologies.
Pelo meio licenciou-se em gestão, através de e-learning, na Universidade Aberta. “É importante porque sou disléxico, não consigo aprender nada em sala de aula”, revela. Foi neste período em que estudava e trabalhava ao mesmo tempo que também percebeu que tinha um perfil mais social do que tecnológico, apesar de sempre ter trabalhado nas áreas de processos, integração e abstração para a complexidade de sistemas. “Continuo a achar, disse-o várias vezes, que o grande problemas das tecnologias, não só em Portugal, mas a nível mundial, falham tantas vezes porque a diferença entre o que um quer e o outro entende é gigante”, sublinhou.
Em 2016 entrou para a A.P. Møller-Maersk. Lembra-se que mais de 20% do transporte em contentores é feito pela empresa dinamarquesa? Rui Pedro Silva é quem nos últimos quatro anos tem coordenado a equipa global que gere a relação tecnológica com os clientes da Maersk – empresas como a Adidas, Amazon, Ebay, Tesco e Wallmart. “[Gerimos] Todo o processo que vai desde o momento em que nós assinamos um contrato para gerir o processo deles até ao momento em que passamos a executar a operação.” Pode não ser visto como tal, mas o site principal da Maersk está, segundo o responsável, entre os dez que mais faturam em todo o mundo, a par das gigantes do comércio eletrónico, por ser onde os clientes fazem as suas encomendas de transporte de mercadorias.
Atualmente Rui Pedro Silva está a coordenar uma equipa de 400 pessoas, espalhada por 16 países, e a Maersk passou de um gigante ‘adormecido’ – foram necessários dois meses até que conseguisse ter um registo de todos os projetos tecnológicos em desenvolvimento na empresa, quando lá chegou – para uma empresa que está a testar soluções de blockchain e de inteligência artificial para dar uma maior transparência e eficácia, passando o pleonasmo, à logística da logística, .
“Aos dias de hoje, o departamento de tecnologias da informação [TI] como o conhecíamos não existe, não pode existir mais. As empresas não vão conseguir sobreviver se continuarem a tratar o departamento de TI como se fossem os tipos da IT Crowd [série britânica de humor] sentados na cave, que faz o suporte de sistemas de hardware. Aos dias de hoje, a área tecnológica é central para a maior parte dos negócios e isso também significa colocares pessoas a liderar que são muito menos técnicas”, explica, assumindo que nunca teve um grande talento para a tecnologia. “O que interessa é o teu alvo, qual é o contributo que isso tem para a missão da empresa e até que ponto podes criar vantagem competitiva para o mercado, usando e tirando partido da tecnologia.”
Posto noutras palavras, não importa tanto a tecnologia usada, importa sim o impacto que isso está a ter na atividade da empresa.
Uma lição de e para Portugal
Nos últimos seis anos, Portugal teve três líderes de áreas tecnológicas considerados como os melhores da Europa. Em 2018, Ana Neves, responsável pelo departamento da sociedade da informação da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), foi distinguida pela CIONET como líder digital europeu desse ano. Já em 2014, Nuno Miller, na altura diretor de tecnologias da informação da Farfetch, tornou-se no primeiro português a ser distinguido nos ECOTY.
Para Rui Pedro Silva, este é um sinal de que “há qualidade”, tanto nos líderes digitais que estão em Portugal, como também nos que estão fora – como é o seu caso, que trabalha nos Países Baixos. E deu o exemplo de Miguel Teixeira, que trabalha na fabricante automóvel Renault, que também esteve entre os oito finalistas para líder tecnológico europeu do ano. “Podia ter sido ele a ganhar e eu acharia que seria justo”. Apesar de reconhecer o valor que existe em Portugal, o executivo da Maersk também é da opinião de que existe “uma subvalorização assustadora” relativamente ao talento português.
O responsável deu o seu próprio exemplo. “Tenho muito mais reconhecimento fora de Portugal do que em Portugal. Sou convidado para falar em conferências em todo o mundo e ao dia de hoje fui convidado uma vez em Portugal – e foi no Landing Festival, porque é de uma pessoa com quem tenho um relacionamento pessoal”, revelou.
“Enquanto não formos capazes de entender que a tecnologia tem a mesma relevância que tem as finanças ou os recursos humanos, que o Miguel [Teixeira], o Nuno [Miller] e a Ana [Neves] não são diretores de tecnologia, são líderes digitais, são pessoas que têm influência na execução de estratégias das empresas, em Portugal vamos continuar a perder e a falhar, não por falta de qualidade, mas por falta de mentalidade.”