Pedro Sinogas, Ricardo Mendes e Vítor Cristina conheceram-se nos primeiros dias de aulas do curso de informática do Técnico em 1995. Foi aí que ganhou forma o trio que levou a Tekever ao topo das startups nacionais, num percurso ascendente que só terminou, passadas duas décadas, da mesma forma que começou: com um curso numa universidade. Em abril de 2018, já com 17 anos de empresa, Pedro Sinogas, CEO da altura, ingressa num curso de gestão em Harvard, EUA. O que seria um ato rotineiro em qualquer empresa levanta um problema: quem fica a movimentar as contas bancárias da Tekever – e de todas as participadas que foram criadas para dar resposta aos vários segmentos?
A questão remonta aos primórdios da Tekever: entre a fundação da empresa, em 2001, e maio de 2018, Pedro Sinogas, administrador e acionista com 52% do capital, foi, alegadamente, a única pessoa com acesso exclusivo às contas e respetivos extratos da Tekever. E por isso era o único que autorizava e/ou mandava executar ordens de pagamento. A este fator, junta-se outro que contraria as melhores práticas de gestão: por aquela altura, a empresa já tinha dívidas a fornecedores que, nalguns casos, chegavam aos cinco meses de atraso.
Coincidência ou consequência natural dos acontecimentos, Ricardo Mendes e Vítor Cristina aproveitaram a ida para Harvard para exigir a Pedro Sinogas o acesso às contas da Tekever Tecnologias da Informação SA, no BPI. E foi quando obtiveram esse acesso que os dois sócios minoritários, cada um com 12% da empresa, tiveram um primeiro vislumbre do rol de transferências de milhares, dezenas de milhar, centenas de milhar ou mesmo milhões de euros para empresas do mesmo grupo, destinatários desconhecidos, férias de luxo para a família, atividades de mergulho, a compra de um carro Tesla de 199 mil euros, várias obras de arte, manutenção de barcos, contas do próprio CEO com uma variação pouco consentânea com a de um salário – tudo numa lista que começa em 2013 e termina em 2018 e que serviu de base para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa suspender Pedro Sinogas da liderança da Tekever, a 27 de setembro de 2018.
Este foi apenas o primeiro processo em tribunal. Pedro Sinogas mantém-se como acionista principal da empresa, mas já terá começado a sofrer as consequências dos processos de arresto de bens que estão em curso. Na segunda-feira passada, as várias empresas do grupo interpuseram um processo com o objetivo de garantir 9,950 milhões de euros dos réus Pedro Sinogas, a empresa Zoramphys SA, e Cláudia Antunes, que é descrita no meio como sendo a companheira do CEO suspenso. O valor exigido pelo Grupo Tekever foi apurado depois de ter sido aplicada a suspensão do cargo de CEO a Pedro Sinogas.
Depois da publicação desta reportagem, Pedro Sinogas reagiu numa nota enviada à imprensa: «Assente numa estratégia há muito traçada pelos meus sócios minoritários Vítor Cristina e Ricardo Mendes, as ações judiciais iniciadas pelas empresas do Grupo Tekever têm por base um processo persecutório contra mim que se arrasta desde 2017. Já reagi a estes processos judiciais e, entre outros procedimentos, apresentei uma queixa-crime junto do DIAP, logo em Outubro de 2018».
O CEO que se encontra suspenso pela justiça diz ter sido alvo de chantagem de Ricardo Mendes e Vítor Cristina. Sinogas diz que o alegado processo de chantagem redundou não só na limitação dos seus votos, como permite que os outros dois sócios passem a «deter a maioria dos votos no Grupo».
Pedro Sinogas reitera a confiança de que «a verdade será reposta» e acusa ainda: «as ações desencadeadas pelos meus sócios Vítor Cristina e Ricardo Mendes não têm em vista os reais interesses das sociedades envolvidas, nem tampouco dos trabalhadores e projetos desenvolvidos, mas apenas tomar ilegitimamente o controlo total do Grupo, em conivência com um fundo de capital de risco com interesses nas áreas ali desenvolvidas».
Contactado pela Exame Informática, o grupo Tekever escusou-se a fornecer qualquer dado sobre o facto de a empresa Zoramphys e Cláudia Antunes figurarem como réus neste “caso”. Na Internet, é possível descobrir alguma informação sobre a Zoramphys: a empresa foi criada em 2017, para exercer atividade relacionada com a compra, a venda e o arrendamento de imóveis e alojamento de turistas.
O processo contra Pedro Sinogas, Zoramphys e Cláudia Antunes é desencadeado pela empresa-mãe, juntamente com as seguintes participadas: A Tekever ASDS que desenvolve soluções para a aeronáutica militar; a Tekever II Autonomous Systems, Lda, para a área da robótica; a Tekever III Comunication Systems, Lda, para as telecomunicações; a Tekever Space, para a indústria espacial; a Ozono, que opera na área do software e da energia; e a Mobizy, que desenvolve software para empresas de menor dimensão, e que não tem atividade desde 2016.
A Exame Informática tentou contactar Pedro Sinogas, mas não obteve resposta.
Em contrapartida, a administração da Tekever, entretanto recomposta com contratação do britânico Keith Willey, informou numa nota de imprensa que Ricardo Mendes é o novo CEO. Além de uma auditoria forense solicitada à consultora PwC, a atual administração da Tekever desencadeou «um conjunto de ações judiciais intentadas pelo Grupo contra o Eng. Pedro Sinogas», refere em comunicado.
Na extensa lista de gastos investigados durante a providência que suspendeu o CEO da Tekever, há um que se destaca pelo valor e pelas consequências: A 15 de maio de 2017, a Tekever II Autonomous Systems recebeu fundos comunitários de 5,620 milhões de euros. E no dia seguinte, é a vez de 5,950 milhões de euros igualmente provenientes de fundos comunitários chegarem à conta da Tekever ASDS. Esta verba total de 11,570 milhões de euros destinava-se a dois projetos levados a cabo por consórcios liderados pelas duas empresas do grupo, na condição 20% dos valores serem aplicados em trabalhos solicitados a outros membros dos consórcios.
Uma semana depois da entrada dos fundos europeus na tesouraria da empresa, Pedro Sinogas procede à transferência desse valor para a conta da empresa-mãe, a Tekever Tecnologias da Informação SA. E é já no início de junho de 2017 que decide transferir 1,14 milhões de euros para a empresa Mobizy, que se mantém a funcionar no grupo, mas permanece sem atividade desde 2016. No mesmo dia, esses mesmos 1,14 milhões de euros são reencaminhados da conta da Mobizy, em 12 tranches de 95 mil euros, para a sua conta pessoal. As transferências com propósitos suspeitos haveriam de continuar nos meses seguintes, mas com valores inferiores. Não se sabe ao certo se estas práticas consideradas suspeitas pelos Tribunal Judicial de Lisboa também se verificaram antes de 2013. Pelo que a única referência continua a ser o total de 9,95 milhões de euros exigidos pelo Grupo Tekever ao CEO suspenso no processo iniciado a 13 de maio de 2019.
A notícia da suspensão do CEO não terá apanhado totalmente desprevenidos os mais de 200 profissionais deste grupo que tem centrado as atenções com o desenvolvimento de drones que patrulham centenas de quilómetros de costa marítima e que desenvolve comunicações para satélites. No início do verão passado, a tesouraria revelou-se curta para pagar todos os subsídios de férias dos trabalhadores. Mas este não seria o único efeito da falta de dinheiro em caixa: uma das participadas da Tekever viria a ser penalizada com a perda da liderança do consórcio Roborder, que deveria desenvolver um sistema de controlo de fronteiras terrestres e marítimas com robôs potencialmente autónomos até 2020, devido ao não cumprimento das regras de financiamento.
Perante estes indícios, o Juízo de Comércio de Lisboa considerou que Pedro Sinogas teve uma atuação «incorreta e inaceitável», uma vez que «reiteradamente utilizou o património da sociedade requerida e das suas participadas como se fosse seu, para satisfação própria e por força do seu comportamento verificaram-se prejuízos para a sociedade que, diretamente, viu diminuído o seu património (…)». Tendo em conta os testemunhos de profissionais do Grupo, os indícios de «decisões egoístas e hedonistas» e de práticas de «má gestão», o juiz deu provimento ao pedido de suspensão do CEO.
O resto da vida da Tekever depende agora daquilo que vai acontecer aos 52% de capital ainda detidos por Pedro Sinogas.