«Pode ver o nosso carro à vontade. Veja lá se encontra riscos e amolgadelas». A sugestão é dada por José Naranjo, professor da Universidade Politécnica de Madrid. O carro é um Mitsubishi elétrico que simultaneamente igual a muitos outros que por aí andam e é também um estreante. Nunca aquele carro artilhado pela universidade madrilena tinha saído das estradas espanholas. E nunca tinha sido realizado um teste com carros autónomos em estradas portuguesas, ao lado de carros conduzidos por humanos. Coube à Circular Rodoviária Externa de Lisboa (CREL ou A9) fazer as honras da casa e entrar para história como o primeiro itinerário nacional a albergar testes com carros autónomos. Para Naranjo, a participação no projeto AUTOCITS está bem definida: «estamos a fazer testes para garantir a interoperabilidade das comunicações com veículos autónomos, e também para garantir que um carro espanhol, quando chega a outro país não tem de mudar nada para poder comunicar com as redes locais».
Não é só o Mitsubishi da Universidade Politécnica de Madrid que não tem riscos nem amolgadelas. O Centro Tecnológico e de Automação da Galiza (CTAG) também trouxe um veículo se m sinal de incidentes (neste caso um Golf) para saber como se comporta numa autoestrada portuguesa. Durante quatro dias, ambos veículos têm de percorrer, fora das horas de maior tráfego, 17 quilómetros da CREL repartidos pelos dois sentidos. Durante os ensaios, os veículos são sujeitos a desafios adicionais, que põem à prova não só a capacidade de reação dos pilotos automáticos dos veículos, como também as comunicações estalecidas com a rede disponibilizada pela Brisa naquele troço da autoestrada. À medida que os carros passam nos diferentes locais, recebem alertas relativos a situações de acidente, mau tempo ou piso escorregadio. Face a estes alertas simulados que só são válidos para os sistemas internos dos veículos (na verdade os carros circularam sempre sob um sol radiante e sem acidentes nas imediações), os carros acabam por emitir um alerta ou automaticamente afrouxam a marcha.
Pablo Dafonte, investigador do CTAG, segue no Volkswagen em modo autónomo para mais uma das voltas de teste. Durante os percursos, as mãos mantêm-se dois, três centímetros de distância do volante, para poder intervir no caso de o modo autónomo de o veículo fazer algo errado. Com a receção de um dos avisos simulados, o veículo abranda a marcha de repente. Por um momento, os ocupantes do veículo são levados a crer que algo errado se passa, e que o condutor vai mesmo ter de lançar mãos ao volante – mas, na verdade, a travagem apenas serve para confirmar que o percurso está a decorrer em conformidade, uma vez que o carro “soube” quando deveria travar. No final da viagem, o investigador galego lembra: «há muitos níveis de autonomia que um carro pode ter. Este está no nível 3 de autonomia»..
Os extremos desta escala já são conhecidos: Um carro de nível 0 não tem qualquer autonomia e depende em exclusivo das decisões e ações do condutor; um carro de nível 5 é totalmente autónomo, e dispensa a intervenção de humanos durante a condução, apesar de a legislação atual não contemplar essa hipótese. «Um dos objetivos deste projeto é avaliar a regulamentação que já foi aplicada aos testes com carros autónomos em alguns países. O próximo passo é compilar as boas práticas a fim de saber o que pode ser feito em termos de regulação para os testes com carros autónomos», explica Pedro Serra, gestor de Projetos no Instituto Pedro Nunes (IPN) e coordenador dos testes que o AUTOCITS realizou em Portugal. A escolha de uma autoestrada como a CREL não foi obra do acaso nem de sorteio. Pedro Serra enaltece o apoio da Brisa, e as infraestruturas de telecomunicações disponibilizadas. «Também seria possível fazer este teste numa estrada nacional, mas numa autoestrada temos outras condições. Temos boas infraestruturas que facilitam as comunicações com carros autónomos e também temos vias mais largas, e espaço separado do meio envolvente através de uma vedação. São coisas que nos permitem ter um ambiente mais controlado», refere Pedro Serra.
Além de não haver pessoas e animais a atravessarem as estradas, os testes na CREL beneficiaram ainda do apoio dos operacionais da GNR, que acompanharam os veículos nos vários trajetos, criando uma denominada “caixa de segurança” que limita o contactos com os carros que seguem nas outras faixas de rodagem. «O grande desafio (nos testes com carros autónomos) está na junção com dois sistemas de condução. Como é que a tecnologia pode prever o comportamento de carros conduzidos por humanos, que não são previsíveis?», sublinha o gestor de projetos do IPN.
Os carros espanhóis podem ter centrado o maior quinhão de atenção dos jornalistas, mas não foram os únicos em testes. A bordo de um BMW, que se tornou legítimo merecedor do título de “conectado”, segue uma equipa de engenheiros da Bosch, que tem vindo a trabalhar na já famosa V2X – a plataforma criada pela unidade da Bosch que se encontra situada em Braga e que é talvez o maior contributo made in Portugal para o aparecimento de uma nova geração de automóveis. «Este teste pretende confirmar a capacidade para estabelecer comunicações entre veículos e uma infraestrutura. Pretendemos partilhar informação com o consórcio do AUTOCITS que permite confirmar que esta tecnologia é viável para usar em certos nós viários. É verdade que ainda não há muitos carros autónomos e que comunicam com a infraestrutura, mas esta plataforma pode ser útil para conhecer o impacto que as comunicações podem ter para a segurança dos condutores ou de quem segue num carro autónomo», explica Jorge Santos, engenheiro de Sistemas Embebidos da Bosch.
Nos testes realizados entre Belas e Odivelas, foram testadas comunicações no standard 802.11p – que pode ter um alcance de um quilómetro, mas que poderá não ser mais que alguns metros no ambiente repleto de obstáculos e outros veículos “comunicantes” que poderá vir a caracterizar uma cidade. Esta norma que pode ser apelidada de “Wi-Fi dos carros” não está sózinha na corrida às telecomunicações sobre rodas. «Há grande marcas das telecomunicações que têm feito muita pressão para que se passe a usar 5G (a quinta geração das telecomunicações) nas comunicações com os automóveis», lembra Jorge Santos.
Além de poder beneficiar dos troços e tecnologias das redes dos telemóveis, a 5G tem a vantagem de permitir acomodar mais conexões com a rede em simultâneo. Jorge Santos recorda que as telecomunicações podem revelar-se cruciais para o sucesso dos carros autónomos: «Os Tesla são autónomos, tendo apenas radar e câmaras que captam imagens, mas esse tipo de autonomia só funciona quando há linha de vista. Num cruzamento, pode acontecer que o radar e a câmara não consiga ver outro carro que vai passar à frente… e por isso esta plataforma de comunicações veiculares é importante».
Na Brisa, o teste é encarado como uma possibilidade de dar seguimento a uma aposta tecnológica iniciada na década passada: «Desde 2004 que temos vindo a apostar num sistema inteligente que abrange todas as autoestradas e que tem evoluído de forma incremental», começa por contextualizar Franco Caruso, porta-voz da Brisa. A par das comunicações entre infraestrutura viária e os veículos, o projeto AUTOCITS permitiu ainda testar as comunicações com as portagens. Sobre o interesse em albergar novos testes com tecnologias inovadoras, Franco Caruso deixa apenas a hipótese em aberto: «Estamos a analisar algumas parcerias com fabricantes e a academia», acrescenta de seguida o profissional da concessionária das autoestradas, sobre o interesse em albergar mais testes com carros autón