Quando é que os carros autónomos chegam a Portugal? A questão está longe de ser respondida, mas há um dado adquirido: um carro autónomo só poderá circular nas estradas nacionais quando o Código da Estrada (CE) contemplar essa hipótese. Até lá, continuará a vigorar o estipulado pelas alíneas do artigo 11º do CE, como recorda a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR): «Atualmente, face ao quadro legal vigente, (…), não é possível a circulação de um veículo autónomo sem condutor na via pública». A ANSR refere ainda: «A circulação de veículo na via pública sem condutor é considerada uma infração leve, punível com coima de € 60,00 a € 300,00».
Uma vez que não há um condutor humano que se possa responsabilizar pela infração, a coima deverá ser aplicada ao dono do carro, explica a ANSR.
Questionada pela Exame Informática, a ANSR prefere não fazer qualquer comparação entre a potencial sinistralidade dos carros autónomos e dos carros guiados por condutores de carne e osso, mas admite que os carros com piloto automático façam parte de um futuro não muito longínquo. O que deverá implicar uma mudança da legislação nacional e do CE: «Pese embora não estar prevista nenhuma alteração do CE nesse sentido, tendo em conta o interesse e o desenvolvimento que a condução autónoma tem vindo a registar, é expectável que no futuro a mesma seja uma realidade, pelo que a legislação terá de se adaptar».
O Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT) também confirma que «neste momento não existe enquadramento legal que permita a realização de testes na via pública com automóveis sem condutor» e recorda que a fiscalização desse tipo de infrações cabe às polícias e à ANSR. Sobre uma potencial alteração do CE, a entidade reguladora dos transportes recorda que o «assunto carece ainda de estudos mais aprofundados, até se poder considerar a possibilidade de alteração do código da estrada para esse efeito».
Ao IMT nunca chegou qualquer pedido de uma marca que pretenda testar carros sem condutores nas estradas portuguesas. Se esse pedido alguma vez for feito e merecer a autorização, os responsáveis pelos testes terão de garantir que os carros autónomos apenas circulam num circuito fechado que garanta as necessárias condições de segurança.
A ANSR recorda que o atual CE prevê, no artigo 9º, uma alternativa aos circuitos fechados que passa pela «possibilidade de suspensão ou condicionamento de trânsito sempre que exista motivo justificado». Esta interrupção da circulação em alguns troços de estradas não pode ter em vista provas desportivas e deverá cumprir alguns requisitos para obter a respetiva autorização.
A alteração do CE não é propriamente uma iniciativa inédita. Nas últimas décadas, o CE foi alterado para dar prioridade a quem segue dentro da rotunda, para fixar novos limites de alcoolemia, ou tornar obrigatório o uso de cintos de segurança – mas no caso dos carros autónomos a situação pode revelar-se um pouco mais complexa do que as atualizações levadas a cabo nas últimas décadas. A responsabilidade em caso de acidente (fabricante do carro, piloto automático, dono do carro ou ocupantes?), famílias tecnológicas dos veículos, cobertura de seguros, comunicações, cibersegurança, sinalização da estrada, partilha de carros autónomos e carros guiados por humanos são alguns dos vários cenários que terão de ser regulamentados antes de os carros autónomos entrarem nas estradas portuguesas.
Tendo em conta que muito dificilmente o CE português será diferente do que vier a ser trabalhado na UE, tudo levará a crer que, à semelhança do que se passa com os drones, as autoridades nacionais tenderão a esperar pelo que for decidido pelas instituições europeias. O que, tendo em conta o circuito legislativo que domina o eixo Bruxelas-Estrasburgo, exigirá sempre algum tempo de espera.
O mote foi dado por Günther Oettinger, comissário europeu para a Economia Digital, durante a passagem pelo Mobile World Congress, de Barcelona. O Comissário instou os operadores de telecomunicações e fabricantes de automóveis a congregarem esforços e criarem uma rede à escala europeia – e sem fronteiras – que permita manter as comunicações com os veículos autónomos.
Apesar de não existirem leis específicas para os carros autónomos, o comissário insta a indústria a apresentar projetos até ao verão, a fim de garantir que o mercado europeu assume a dianteira do setor. Do outro lado do Atlântico, o debate sobre os carros autónomos já se encontra em velocidade cruzeiro. Além dos estados que alteraram a legislação para permitir ensaios com protótipos nas estradas públicas, a Administração Nacional para a Segurança do Tráfego Rodoviário dos EUA confirmou estar inclinada a considerar o software do carro como um condutor – o que poderá moldar toda a forma como a indústria automóvel poderá evoluir.