Nos EUA, a Netflix, enveredou por acordos com os operadores locais para garantir a velocidade necessária à transmissão de vídeos a pedido para milhões clientes. Os acordos entre fornecedores de conteúdos podem implicar o pagamento de uma verba por parte do fornecedor de conteúdos, mas também levantam uma questão: será que a neutralidade da Internet é respeitada, quando um operador recebe uma soma para garantir que um determinado conteúdo tem prioridade no tráfego?
Em Portugal, a questão ainda não se colocou. A Netflix chega em outubro, e os três maiores operadores de telecomunicações confirmam que não pretendem bloquear o serviço – mas também não referem qualquer acordo com a Netflix, que permita garantir vantagens do ponto de vista do tráfego (maior velocidade, ou oferta do tráfego da Netflix para os consumidores).
A Netflix não põe de parte acordos com os operadores para garantir a qualidade mínima do serviço. A própria regulação em vigor em Portugal não impede que os operadores façam acordos fornecedores de conteúdos e diferenciem as condições disponibilizadas. Anacom, autoridade que regula as comunicações, recorda que, em breve, a legislação nacional poderá sofrer alterações na sequência de iniciativas levadas a cabo na UE.
Enquanto não chegam as novas regras de gestão de tráfego, os consumidores portugueses «não possuem um direito absoluto ao uso da Internet sem restrições», apesar de terem direito a «informação prévia sobre os serviços disponíveis e os níveis de qualidade oferecidos» e ainda a «informação contratual sobre limitações no acesso e utilização dos serviços e medidas de gestão de tráfego implementadas ou a implementar pelo operador», recorda a Anacom.
Meo e Nos garantem, de forma perentória, o acesso universal do Netflix para os respetivos clientes: «Todos os clientes MEO com acesso à internet, fixa ou móvel, podem aceder a qualquer serviço que esteja disponível através da Internet e estas regras não se vão alterar pela entrada de um novo player no território nacional, qualquer que ele seja», refere fonte oficial do Meo, por e-mail.
No que toca à Nos, a questão merece a seguinte resposta: «Como qualquer outro fornecedor de conteúdos OTT (over the top) através da Internet, o modelo de comercialização do Netflix não está dependente de acordo com os operadores. Todos os subscritores de Internet de banda larga da Nos poderão ter acesso se assim o entenderem, como hoje têm a outros serviços de vídeo sobre a Internet, por exemplo».
A resposta da Vodafone deixa alguma margem de manobra para a interpretação e, eventualmente, para uma futura tomada de posição quanto ao aparecimento de serviços que concorrem com as ofertas da operadora na área dos conteúdos: «A Vodafone tem o compromisso de disponibilizar, sempre, a melhor oferta de serviços e conteúdos em Portugal. Nesse sentido está, naturalmente, atenta a oportunidades de novos serviços e conteúdos que possam complementar a sua oferta atual, desde que se revelem ajustadas às necessidades dos seus clientes».
A Netflix terá ainda de mostrar o que vale no mercado português. Para já, tem zero clientes – e como é óbvio o impacto que produz no tráfego é nulo. Mas se for um sucesso estrondoso será que as redes dos operadores estarão preparadas para suportar um acréscimo de tráfego correspondente ao visionamento dos diferentes filmes e séries em Portugal?
A questão é sensível, e dificilmente os três operadores perderiam a oportunidade de elogiar a capacidade das redes que gerem… mas Meo, Nos, Vodafone não têm dúvidas de que tanto no ADSL, como no cabo coaxial, na fibra ou na quarta geração de telemóveis (4G), as respetivas redes estão aptas a receber a Netflix. A Nos relembra que está a expandir a rede de fibra ótica para 100 municípios do país e em «mais de meio milhão de lares». A Nos refere ainda que serviços como o da Netflix «são essencialmente para consumo através de rede fixa», mas lembra ainda que dispõe de uma rede que já garante cobertura de 90% da população portuguesa em 4G, que «transporta uma quantidade significativa de tráfego de vídeo, pelo que está apta a suportar esse serviço».
Na Vodafone a resposta remete para a capacidade de uma rede fixa que já chega a velocidades máximas de 1Gbps e para o potencial das redes 4G e na 4G+: «A Vodafone está totalmente preparada para suportar serviços exigentes de largura de banda». Na Meo, também são referidos os investimentos em fibra ótica, 4G e serviços de armazenamento como prova de capacidade: «Como já referido, temos vindo a preparar esse caminho há vários anos».
Apesar de disponibilizarem clubes de vídeo e canais como TVCine ou TVSéries, que exigem o pagamento de mensalidades, os três operadores desvalorizam a potencial ameaça da Netfliuz em Portugal. A Meo realça a crescente sofisticação das plataformas de TV pagas que tem permitido disponibilizar ferramentas de visualização de programas que passaram nos últimos sete dias, ou expandir o serviço para os tablets, computadores e smartphones. Para a marca da PT, estas novas ferramentas permitem encarar com confiança a potencial concorrência da Netflix: «A entrada de novos players com serviços complementares em Portugal representa sempre um balanço positivo para o mercado e para o consumidor final».
A Nos considera que mais do que os operadores, serão os canais que poderão sentir a concorrência da Netflix: «De qualquer forma, é bom lembrar que, para além de canais de TV tradicionais, uma parte cada vez maior dos clientes Nos já consome vídeo em regime não-linear, através das funcionalidades restart TV, Gravação Automática e através de outros serviços inovadores».
A Vodafone lembra que a Netflix é um serviço complementar disponibilizada pelas plataformas de TV pagas. «Portugal é um mercado altamente evoluído, que apresenta uma oferta rica e diferenciadora, quer de conteúdos lineares, como não lineares», refere a Vodafone, dando como exemplo o seu próprio catálogo com 150 canais, videoclube e mais de 10.000 títulos disponíveis, entre muitas outras funcionalidades que levam os operadores de telecomunicações a disputar hoje cada centímetro do mercado português.