
Os números em primeiro lugar: a Amazon é responsável pela venda de mais de metade dos eBooks nos EUA e lidera incontestada as vendas de livros na Internet. Agora a reação das letras aos números: mais de 300 escritores assinaram uma carta enviada aos diretores da Amazon, exigindo o fim do tratamento diferenciado, que alegadamente está prejudicar as vendas de livros publicados pela Hachette.
A carta assinada por alguns dos maiores homens das letras da atualidade também recorre a alguns números: em média, os autores que publicam na Hachette passaram a vender menos 50% – e há casos de perdas de 90% – devido ao facto de, alegadamente, a Amazon recusar reservas, atrasar os prazos de entrega, e até direcionar os internautas para livros de outras editoras.
Até hoje, não haverá muitas cartas que tenham conseguido juntar as assinaturas de Philip Roth, Orhan Pamuk, Salman Rushdie, V. S. Naipaul, Milan Kundera e ainda os detentores de direitos de Saul Bellow, Roberto Bolaño, Joseph Brodsky, William Burroughs, John Cheever, Allen Ginsberg, Norman Mailer, Arthur Miller e Hunter S. Thompson. A carta enviada pela Authors United aos administradores da Amazon conseguiu-o, mas poderá não ser a única. Atualmente, a mesma “coligação” de escritores está a preparar uma carta para remeter junto do Departamento de Justiça dos EUA, com o objetivo de solicitar uma investigação à práticas monopolistas da Amazon, refere o The New York Times.
Ursula K. Le Guin, escritora que ganhou, em 2014, a medalha pelo Contributo dado às Letras Americanas, sintetizou numa frase, enviada por e-mail ao The New York Times, o sentimento de desconfiança que atualmente domina o mundo literário dos EUA: «Estamos a falar de censura: de alguém que, deliberadamente, torna um livro difícil ou mesmo impossível de comprar, fazendo desaparecer esse autor. Os governos usam a censura com objetivos morais e políticos, sejam eles justificáveis ou não. A Amazon está a usar a censura para ganhar o controlo total do mercado e assim poder ditar aos editores o que podem ou não publicar, e aos autores o que devem escrever, e aos leitores aquilo que podem comprar. Isso é mais do que injustificável; é intolerável».
A Amazon e a Hachette ainda não comentaram – apesar de ambas terem estatuto de protagonistas nesta história, que veio a público na primavera passada, com a aplicação de condições desfavoráveis à compra de livros publicados pela Hachette, por parte da Amazon. No verão, muito por força da intervenção de Andrew Wylie, agente que representa muitos dos “pesos pesados” das letras norte-americanas, os autores começaram a juntar esforços e a alinhar estratégias – e a causa deixou de estar circunscrita aos autores publicados pela Hachette.
Curiosamente, a Amazon também já sabe o que é enviar uma carta para o Departamento de Justiça solicitando uma investigação a práticas monopolistas: em 2010, a gigante do comércio eletrónico queixou-se às autoridades de um acordo entre Apple e cinco dos maiores editores dos EUA, que estaria a inflacionar os preços dos livros.
Nessa altura, a Hachette (que já se queixou, em vão, da Amazon ao Departamento de Justiça) assumiu as suas responsabilidades, e assinou um acordo com os queixosos, alegando não dispor de recursos financeiros para manter a luta em tribunal. Será que chegou a vez da Amazon fazer o mesmo?