Luigi Gambardella, presidente da ETNO, defende que as empresas que fornecem o acesso à Net e os distribuidores de conteúdos deverão ter a liberdade para negociar acordos que determinam a velocidade e a qualidade a que um ou mais serviços são disponibilizados na Internet. Numa entrevista por e-mail, o representante dos operadores europeus contesta a iniciativa legislativa do Comité de Indústria e Investigação do Parlamento Europeu que pretende reforçar a neutralidade na Internet (entretanto a votação da proposta de lei foi adiada).
Para os operadores de telecomunicações europeus quão neutral pode ser a Internet… e quais os limites que a neutralidade da Internet pode ter?
A Internet deve ser totalmente neutral! Na verdade, a ETNO reconhece que a Internet evoluiu nas últimas décadas como uma plataforma aberta para a inovação com poucas barreiras para utilizadores, conteúdos, distribuidores de aplicações e ISP (Distribuidores de Acesso à Net). O princípio da “neutralidade da Net” está diretamente relacionado com o princípio da “Internet aberta”, que permite que os internautas acedam a conteúdos, aplicações e serviços da sua preferência, e promove a concorrência entre redes, serviços e distribuidores de conteúdos. De acordo com o artigo 8.4 da Directiva 2002/21/EC, que foi alterado pela Diretiva 2009/104/EC, a neutralidade da Net diz respeito à capacidade dos consumidores para «acederem e distribuírem informação ou correrem aplicações e serviços que pretendam». O atual debate sobre a Neutralidade da Internet é afetado largamente pela confusão gerada em torno de conceitos básicos e definições que não têm correspondência com a realidade técnica ou os modelos de negócio da atualidade. Dou como exemplo uma frase que costuma ser citada regularmente: «Cada bit deve ter um tratamento igual, e os operadores de telecomunicações não devem providenciar qualidades diferentes consoante as terminações do tráfego IP». Só que a qualidade diferenciada do tráfego é necessária para manter em funcionamento serviços inovadores e aplicações. Dou alguns exemplos: na distribuição de conteúdos, há os casos dos vídeos de elevada qualidade em unicast; o download de grandes ficheiros; os upgrades de software; nas aplicações interativas, temos os jogos on-line, serviços interativos de vídeo e voz; há ainda as aplicações de cloud; e por fim temos as aplicações disponibilizadas pelo browser, que precisam de uma resposta mais rápida (há uma estimativa que revela que a redução de um segundo na interatividade do browser permitiria um aumento de 10% na faturação da Amazon. Dou mais um exemplo que pode ajudar a clarificar esta questão: «A gestão de tráfego deve ser proibida (excetuando de forma bastante clara, os casos de congestionamento da rede)». A gestão de tráfego é necessária não só para os casos de congestionamento de rede, mas também para garantir o funcionamento adequado das redes em todas as condições, e evitar o congestionamento, o mau funcionamento da rede ou também para assegurar a estabilidade do serviço e contra atividades maliciosas como os ataques de hackers… A «neutralidade da Internet» nada tem a ver com «com qualidade diferenciada na terminação», nem tem nada que ver com «gestão de tráfego». Clarificar isto é muito importante. Akamai, Google, Level 3, Netflix têm usado, durante anos, soluções com o objetivo de melhorar a qualidade de serviço a um nível internacional, através de ferramentas de CDN, Transparent Cache, aceleração de Web, ou otimização de protocolos. Nunca ninguém alguma vez disse que essas soluções são contra os princípios da neutralidade. Para assegurar o elevado nível de qualidade do serviço prestado ao cliente assim como o funcionamento adequado da rede, os ISP e os operadores de telecomunicações devem ter a liberdade de oferecer serviços com qualidade diferenciada e implementar a gestão de tráfego. Para respeitar o princípio da “verdadeira” Neutralidade da Internet, os serviços de diferenciação de qualidade devem tornar-se transparentes para todos, sem discriminação.
Deverão os operadores de telecomunicações ter a liberdade para assinar acordos com distribuidores que permitem acelerar o acesso a determinados conteúdos em detrimento de outros?
Há que esclarecer uma coisa: não faz qualquer sentido e os operadores e ISP não devem “fechar o acesso” a ninguém. Mas os operadores e os ISP deverão poder expandir os seus serviços com qualidade diferenciada na terminação; os distribuidores de conteúdos podem precisar de qualidade melhorada e devem ter a possibilidade de escolher o melhor serviço para distribuir esses conteúdos. A fim de dar a resposta aos requisitos destes novos serviços, como aqueles que acabei de referir, deverão ter a liberdade para estabelecer acordos. É algo muito simples. E já há vários exemplos destes acordos: Google/Verizon (nas redes móveis); Comcast/Cogent/L3; Google/Orange; a Akamai fixou acordos com a Verizon, ATT, Orange, etc.; Korea Telecom/Samsung; a Netflix/Comcast e por aí fora. Também na Europa, os operadores deverão ser encorajados a providenciar serviços diferenciados que se adaptam aos diferentes requisitos de novos serviços.
Mas se o operador já cobra as mensalidades de acesso à Net, por que há de o consumidor pagar mais por certos conteúdos?
A neutralidade da Internet implica que cada serviço seja disponibilizado de forma transparente e não discriminatória para toda a gente; por isso nós podemos dizer que o «fim da neutralidade da Internet” é um non-sense. Operadores de telecomunicações, ISP estão apenas a exigir liberdade para “diferenciar a qualidade na terminação” no que toca a fornecedores de conteúdos… e a Neutralidade na Net nada tem que ver com a política de “preços na diferenciação da qualidade na terminação”. O tarifário de acesso à Internet é uma coisa totalmente diferente do “pagamento que um fornecedor de conteúdos faz a um operador de telecomunicações para garantir uma qualidade diferenciada”. Um distribuidor de conteúdos que precise de melhorias de qualidade para a distribuição de aplicações ou conteúdos também deve ter a liberdade para escolher um ISP ou um operador e pagar pelo serviço. O impacto que a diferenciação de conteúdos pode ter nos tarifários da Internet é nulo!
Como analisa a atual legislação sobre a neutralidade da Internet?
Na UE, está a correr o debate sobre permitir ou proibir que os operadores de telecomunicações e ISP ofereçam serviços diferenciados. Como expliquei nas questões anteriores, não faz sentido, e é até contra o desenvolvimento da UE, negar aos operadores e ISP a possibilidade de enriquecerem os seus serviços (tendo em conta que a diferenciação da qualidade é necessária, e normalmente é usada pelos fornecedores de conteúdos). A liberdade do para oferecer serviços diferenciados é necessária para a salvaguarda do papel da UE e dos direitos dos cidadãos europeus na transformação do ecossistema da Internet, tendo em conta o seguinte: a maioria do tráfego doméstico provêm de distribuidores de conteúdos; a terminação do tráfego é determinante para os fornecedores de conteúdos, que precisam de chegar aos utilizadores com uma qualidade que varia consoante a aplicação ou o conteúdo que é distribuído; a qualidade diferenciada na terminação é exigida pelos distribuidores e fornecedores para fornecerem aplicações e conteúdos ao consumidor final.
E se a legislação do Comité de Indústria do Parlamento Europeu, que pretende reforçar a neutralidade da Internet, for aprovada?
Se o Parlamento Europeu aprovar medidas que proíbem os operadores e ISP de diferenciarem a qualidade ou de gerir o tráfego, o acesso a serviços inovadores por parte dos consumidores europeus será afetado negativamente, e todo o ecossistema da Internet Europeia se arrisca a sofrer grandes perdas. Iria criar uma situação perigosa, em que a economia digital europeia acabaria por sair prejudicada, e os negócios levados a cabo na Europa passariam para uma posição de concorrência no que toca a outros negócios levados a cabo a noutros pontos do mundo. A ETNO está confiante de que o trabalho que vai ser feito pelos legisladores europeus terá em conta estes riscos e vai seguir de perto o espírito da proposta original da Comissão Europeia.