Entre dois centros de dados – um situado junto à Gare do Oriente, em Lisboa, outro no Pragal, em Almada – existe agora uma ligação única em Portugal: uma linha de fibra ótica de mais de 20 quilómetros para transmissão de informação encriptada através de chaves quânticas. Esta é a primeira rede de longa distância do género criada em território português.
“A ideia principal foi mesmo demonstrar que estas tecnologias já não são tanto de laboratório, já existem equipamentos e soluções que fornecem este tipo de capacidades”, explica Bruno Gonçalves, gestor da unidade de negócio de cibersegurança da Warpcom, empresa da qual partiu a iniciativa para este projeto.
As capacidades às quais o responsável se refere é a possibilidade de se fazerem comunicações ultrasseguras recorrendo a uma tecnologia conhecida como distribuição de chaves quânticas (QKD na sigla em inglês, de quantum key distribution). Na prática, são introduzidos na rede de fibra ótica fotões polarizados (passam por um filtro) cuja orientação (pode ser horizontal, vertical ou de ângulo diagonal) corresponde a conjuntos binários (zeros e uns) que correspondem a uma chave de encriptação. Já do lado do emissor ocorre o processo contrário: é usado um filtro para perceber qual a chave de encriptação a partir da polarização de cada fotão.
“Há dois equipamentos que são colocados em cada uma das pontas que falam entre si e esses sim, através de ligação com fibra ótica, comunicam com tecnologia quântica”, simplifica Bruno Gonçalves.
Assim que ambos os lados – emissor e recetor – têm a mesma chave de encriptação, já pode ser feita a transmissão de conteúdos de forma mais segura. E se alguém intercetar a transmissão dos fotões, devido ao facto de na Física Quântica a observação destes elementos resultar na sua modificação, significa que a chave gerada pelo emissor não vai corresponder à chave recebida pelo recetor (por alguém ter ‘interferido’ pelo meio), o que significa que a comunicação da chave de encriptação foi intercetada e que não se deve proceder ao envio de conteúdos através daquela chave.
De recordar que, em 2019, o Instituto Superior Técnico já realizou comunicações quânticas em Portugal, à época as primeiras a usarem um sistema de comunicação sem fios.
Transmissão de longa distância
Na primeira transmissão através deste “portal quântico”, como é apelidado pelos responsáveis do projeto – que inclui ainda a portuguesa IP Telecom (dona dos centros de dados e da linha de fibra) e a suíça ID Quantique (quem tem o hardware para gerar e distribuir as chaves quânticas) como parceiros –, foi enviado um vídeo que explica justamente como funciona esta tecnologia.
O que a Warpcom garante neste projeto é a total integração do sistema de geração e distribuição de chaves quânticas com as firewalls dos centros de dados. E podem ser geradas e transferidas novas chaves quânticas no intervalo de tempo que o cliente preferir – por exemplo, uma nova chave a cada 30 segundos – para reforçar ainda mais a robustez do sistema. “O principal desafio foi demonstrar depois a integração com soluções, neste caso firewalls. (…) O sistema vai beber estas chaves que são geradas de forma quântica e que periodicamente são alteradas, o processo de criptografia é mais robusto”, explica o responsável.
A linha que liga Lisboa a Almada para a transmissão de informação encriptada através de chaves quânticas vai manter-se operacional, para que os parceiros desta iniciativa possam não só fazer demonstrações a potenciais clientes, como também explorar compatibilidades com equipamentos de mais fabricantes.
“Nós enquanto Warpcom temos a necessidade de andar um bocadinho à procura do futuro e das novas tecnologias. Na área da segurança, esta era quântica está a aproximar-se e vai levantar desafios”, sublinha Bruno Gonçalves, numa referência à hipótese de futuros computadores quânticos terem a capacidade para quebrar até os mais robustos sistemas de criptografia que existem atualmente.
O projeto começou a ser oficialmente preparado em maio, mas na Warpcom o tema da segurança quântica já começou a ser trabalhado em 2019. E o porta-voz da empresa é taxativo: este não é um mero projeto demonstrativo, é uma solução que pode ser adquirida por um cliente que queira ter o seu próprio canal de comunicação com encriptação quântica. Quanto ao preço, Bruno Gonçalves diz que está dependente das características do projeto, mas o custo deverá situar-se sempre na casa das “centenas de milhares de euros”.