Dificilmente Ultimate Music e Jornais do Dia poderiam ter pretensões a serem campeões de audiência on-line, mas ambos os sites acabaram por registar um acréscimo de popularidade devido a um bloqueio imposto pelas autoridades que, curiosamente, tem por objetivo restringir o alcance dos dois sites. Que ilegalidades cometeram o Ultimate Music e o Jornais do Dia? Resposta: publicaram repetidamente links de videoclips e de páginas de jornais que são legítimos e não encaminham para qualquer cópia pirata, mas não obtiveram a permissão dos detentores dos direitos de autor.
A disputa envolve apenas autores e gestores de sites, mas a Inspeção geral de Atividades Culturais (IGAC) não tem dúvidas em considerar que é legitimo impedir o público de aceder a esses sites: «Não existia autorização dos autores, encontrando-se as obras a ser disponibilizadas de forma ilegítima. A liberdade editorial de quem produziu os sites não pode em caso algum colidir com os direitos dos autores das obras que ali sejam colocadas à disposição do público, carecendo da sua autorização», responde Silveira Botelho, responsável máximo da IGAC num e-mail com respostas às questões colocadas pela Exame Informática.
O site Ultimate Music, gerido por Josep Vixaina, dedica-se à incorporação de videoclips do YouTube, Vimeo ou Spotify, que aparentemente não põem em causa os acordos publicitários, e a contabilidade de visualizações que autores e as plataformas de distribuição da Internet acordaram previamente. No caso do Jornais do Dia são publicadas diariamente as primeiras páginas dos diários nacionais e ainda links selecionados que encaminham os leitores para os conteúdos, sem desbloquear as modalidades de pagamento cobradas pelos respetivos jornais. Ambos sites receberam denúncias de detentores de direitos de autor que motivaram o bloqueio.
Silveira Botelho recorda que a facilidade publicação de links não chega para tornar legal um site. No caso do Ultimate Music, o Inspetor-Geral das Atividades Culturais recorda que se trata de um site que faz «exploração económica, nomeadamente por publicidade efetuada sem autorização dos titulares de direitos das obras (…) disponibilizadas». No Jornais do Dia, Silveira Botelho não menciona a exploração da publicidade, mas recorda que a «para uma correta utilização de obras de imprensa, deverá ser obtida como se acima se refere autorização junto das mesmas ou dos titulares de direitos, ou de seus legítimos representantes, o que de acordo com a denúncia que motivou o bloqueio não se havia verificado».
Para os internautas que se habituaram a ver notícias que são partilhadas nas redes sociais que também fazem exploração publicitária, as restrições à disseminação de links poderão ser surpreendentes, mas Silveira Botelho reitera que a IGAC está a dar seguimento ao que dita a lei: «Alerta-se ainda que a autorização eventualmente concedida por titulares de direitos a operadores das plataformas onde as obras estejam localizadas, não é extensiva ou permite a sua exploração comercial por terceiros».
O Bloco de Esquerda, que apresentou há duas semanas na Assembleia da República uma resolução que visa extinção do memorando e consequente bloqueio de sites piratas, tem uma visão bem diferente: «Bloquear sites sem qualquer ordem judicial é uma violação do estado de direito, e isto não tem espaço para interpretações cinzentas só pelo facto de se tratar da internet. Não passaria pela cabeça de ninguém permitir a uma distribuidora de livros dar ordem para fechar uma biblioteca a menos que a biblioteca lhe pagasse uma taxa inventada pela própria distribuidora. Mas é isso mesmo que estamos a permitir e a deixar que se torne a norma de regulação na internet, uma regulação definida por interesses privados sob proteção do Estado em detrimento da liberdade individual e interesse público», reitera Jorge Campos, deputado do BE, por e-mail.
Não serão precisos grandes estudos de audiências para perceber que a posição do BE consegue recolher o apoio de uma considerável parte da população que se habituou a aceder livremente a conteúdos legítimos ou piratas na Internet. E não é possível procurar muito até chegar a alguém que tem uma posição similar sobre este assunto. Paula Simões, dirigente da Associação Ensino Livre (AEL), tem vindo a acompanhar de perto o bloqueio de sites, entre outras questões de direitos de autor. Sobre o bloqueio do Ultimate Music e do Jornais do Dia, sublinha que nenhum deles põe em causa o modelo de negócio e o controlo que autores e produtores definiram os serviços que colocam para a Internet.
«O Ultimate Music não está a violar direitos de reprodução porque (…) não está a reproduzir nada. Quanto aos outros sites, o único bloqueio de sites legítimo é aquele que é determinado por um tribunal, independentemente de concordarmos ou não com a decisão desse tribunal», refere Paula Simões.
A dirigente da AEL considera que o direito de autor não pode pôr em causa os direitos dos cidadãos, acusa as autoridades europeias de cederem à indústria dos conteúdos, e põe em causa as iniciativas legislativas que deram à IGAC e à fiscalização dos jogos de apostas da Turismo de Portugal o poder de aplicar bloqueios na Internet: «Os bloqueios efetuados por estas entidades não estão sujeitos ao escrutínio público. Não se sabe que sites estão a ser bloqueados, quem os mandou bloquear, porque razão foram bloqueados. Quem nos garante que um site não possa ser bloqueado porque não se gosta do que lá se diz? O bloqueio injusto pode ser catastrófico: a mensagem de bloqueio indica que há uma decisão judicial ou administrativa. Isto pode arruinar a imagem de uma empresa ou de uma pessoa».
Manuel Lopes Rocha, advogado com carreira feita em torno dos direitos de autor, não tem dúvidas de que o bloqueio aplicado pela IGAC justifica-se e está dentro da legalidade. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE (TJUE), que considerou como legítima a publicação de links, desde que não haja exploração comercial, não chega a demover o causídico na análise aos bloqueios aplicados pelo memorando – nem mesmo aqueles que envolvem links, mas não cópias piratas. «Não vejo nenhum mal no bloqueio (do Ultimate Music e do Jornais do Dia). Os internautas continuam a poder aceder à informação e aos conteúdos no Youtube ou nos endereços dos próprios jornais. Sendo que esses dois sites estão a lucrar com obras que estão protegidas pelos direitos de autor e não tiveram autorização para isso. Não considero o bloqueio desproporcionado. O bloqueio tem a vantagem de criar uma sistema muito rápido que evita que estes casos seja encaminhado para os tribunais».
O Movimento Cívico Antipirataria na Internet (MAPINET), que tem a função de centralizar queixas, contactar prevaricadores e encaminhar propostas de bloqueio de sites piratas para a IGAC, também reitera o respeito pela legislação atual, num comunicado em que justifica o pedido de bloqueio do Ultimate Music com uma solicitação da Audiogest: «Na sequência dessa solicitação, o MAPINET seguiu os procedimentos habituais e definidos na Lei e regulados no acima aludido Memorando de Entendimento, tendo notificado o alegado titular do Site. Este, apesar dos contactos havidos, não logrou demonstrar qualquer autorização para aquelas disponibilizações nem tão pouco a solicitou aos respetivos titulares de direitos (no caso os próprios Produtores Fonográficos). A ilicitude em causa está na disponibilização de obras e prestações alheias, através de um website que, no caso concreto, procede à sua exploração comercial reiterada e sucessiva através de publicidade sem autorização dos respetivos titulares».
No âmbito do memorando assinado em julho pela IGAC, MAPINET e operadores de telecomunicações foram bloqueados mais de 130 sites em Portugal em 2015. O que levou parte dos internautas que não estão dispostos a respeitar os direitos de autor e o que dita a lei a recorrer a expedientes e mecanismos que permitem contornar o bloqueio.
Henrique Mouta, um dos responsáveis pelo blogue Revolução dos Bytes, conhece bem essas ferramentas – ou não tivesse ajudado a criar um plugin, que é conhecido por Ahoy e que mascara a proveniência dos utilizadores. Mais de 18 mil internautas já descarregaram este aplicativo – e tudo leva a crer que a maioria apenas o fez para poder consumir conteúdos piratas sem restrições.
Henrique Mouta não se dá por satisfeito: «Não há qualquer legitimidade para se bloquearem sites que estão a partilhar links legítimos. O mesmo se aplica para os sites que fazem embed (a incorporação) de vídeos ou músicas de plataformas legais e licenciadas. Pensando por absurdo, seria o mesmo que bloquear o Facebook por eu partilhar uma música que gosto do YouTube. Simplesmente não faz sentido. Considero que estas entidades estão a aproveitar o poder que têm neste momento para “extorquir” licenças que não têm que ser cobradas de forma alguma».