No Dubai, está a decorrer uma cimeira da ITU que promete transformar o futuro da Web. Será que vai haver uma cisão ciberespaço? É uma hipótese a ter em conta, especialmente depois de a proposta apresentada ontem pelos EUA e pelo Canadá ter sido chumbada pelos seis representantes regionais, que refletem o sentido de voto dos 150 países com assento na ITU.
Além de retirar a Internet do raio do âmbito da nova regulação que a ITU está a preparar, a proposta norte-americana tinha como objetivo manter a gestão nos mesmos moldes da atualidade – tendo por principal suporte entidades sedeadas nos EUA. Mas esta iniciativa vai no sentido contrário aos objetivos da própria ITU, que pretende aproveitar a reformulação dos regulamentos de telecomunicações para estender o raio de ação à Internet, aplicando um modelo decalcado das Nações Unidas.
Segundo a Reuters. as pretensões da ITU já mereceram o apoio da Rússia, de países do Médio-Oriente e de África.
A proposta dos EUA e do Canadá contou com o apoio dos países europeus, mas não foi aprovada pelos representantes dos países dos outros continentes. O que ditou a rejeição agora anunciada. Apesar deste contratempo, as negociações continuam (a cimeira dura 12 dias… o que é revelador das imbricadas negociações). E não é só o modelo de gestão da Internet que está em debate. De acordo com os especialistas, boa parte do sucesso das negociações depende de questões tão “sensíveis” quanto o anonimato dos internautas ou a possibilidade de cada país censurar de forma arbitrária os conteúdos veiculados na Web. A vertente comercial e o poderio expansionista de empresas como Facebook, Twitter ou Apple dificilmente escaparão ao debate.
Portugal está representado na Cimeira pela Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom). Contactada pela Exame Informática, fonte institucional da entidade que regula as comunicações, informa que a posição em Portugal está em consonância com as posições tomadas a nível europeu no âmbito da Conferência Europeia
das Administrações de Correios e Telecomunicações (CEPT) e da União Europeia
(UE). De forma concertada, os representantes da UE e dos operadores de telecomunicações opõem-se às propostas que visam expandir as competências da ITU para a área da Internet.
A Net e o Irão
Pedro Veiga, presidente da Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) e responsável pela gestão do domínio .pt, admite que a revisão dos regulamentos da ITU pode mudar a Internet como a conhecemos hoje: «Se a nova regulação for aprovada (e o raio de ação da ITU se estender à Internet), acredito que muitos países se recusem a aplicá-la. Duvido que países democráticos aceitem que países como o Irão possam mandar na Internet».
Algumas figuras históricas da Internet também já se pronunciaram contra as pretensões da ITU. Vint Cerf, co-criador do protocolo TCP/IP e um dos “pais da Internet”, é uma das vozes críticas: «Os governos – pelo menos a maioria – permitiram que a Internet crescesse organicamente com a sociedade civil, instituições académicas, setor privado e entidades que definem standards a colaborar no desenvolvimento, nas operações e na governação. Em contrapartida, a ITU cria barreiras significativas à participação da sociedade civil», defendeu Cerf num artigo de opinião publicado no New York Times, onde defende que a ITU não deve assumir as rédeas da Internet.
Por enquanto é apenas uma hipótese teórica, mas Pedro Veiga admite que o braço-de-ferro entre ocidente e oriente possa levar à cisão da Internet, com a América do Norte e a Europa (ou pelo menos a UE) a manterem o atual modelo de gestão e o resto do mundo a seguir os regulamentos da ITU. O responsável da FCCN considera que «a ITU está a ser usada por países que receiam a proliferação de “primaveras árabes”». Pedro Veiga não esconde que é defensor do atual modelo de gestão da Internet, que apesar de descentralizado, tem como principais pilares entidades sedeadas nos EUA, como o ICANN. «Pelo menos no que toca à gestão de domínios, posso dizer que estou contente com a gestão da ICANN», afirma.