Quem investiga, ou trata pacientes, na área da oncologia costuma ser cauteloso e poupar no entusiamo quando o assunto é a inovação nas terapias. Mas durante a apresentação da nova forma de radioterapia FLASH, que aconteceu hoje na Suíça, ninguém poupou nos adjetivos e a palavra mais ouvida foi mesmo “revolução”.
Na conferência de imprensa promovida pela Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, CERN, pelo Centro Hospitalar Universitário Vaudois (CHUV), em Lausana, e pela empresa de equipamentos médicos de radioterapia THERYQ, que aconteceu esta manhã, e a que a Exame Informática assistiu remotamente, médicos e cientistas das três instituições apresentaram aquela que deverá vir a ser uma das novas armas no combate ao cancro, complementando as já assimiladas cirurgia, quimioterapia, radioterapia, terapia dirigida e imunoterapia.
Há já algum tempo que a radioterapia FLASH – em que se usam doses muito mais altas de radiação e por menos tempo do que na radioterapia convencional – tem mostrado ser uma alternativa melhor para os pacientes, sobretudo por originar menos efeitos secundários, dada a duração do tratamento, que é da ordem dos milissegundos.
Só que até agora existia uma importante limitação à utilização deste tipo de radioterapia: a profundidade a que o tratamento chegava e que não ultrapassava os três centímetros. Ou seja, apenas podia ser utilizada para tratar tumores superficiais. Com esta nova forma de radioterapia apresentada hoje, a Flashdeep, ou profunda, é possível chegar até aos vinte centímetros, mantendo-se a eficácia, a rapidez do tratamento e a ausência de efeitos secundários. Um ‘milagre’ que não é mais do que pura física a funcionar. E é aqui que entram os cientistas do CERN com o seu conhecimento em física de partículas e aceleradores.
Com o acelerador de eletrões de alta performance CLIC (da sigla em inglês para colisor compacto linear), os cientistas conseguem acelerar eletrões até níveis de energia da ordem dos 100 a 200 MeV – dez vezes mais do que estava disponível até agora – , o que confere o tal efeito de profundidade tão ambicionado e que pode inclusivamente resolver o problema da resistência à radioterapia, que afeta cerca de trinta por cento dos doentes com cancro. O facto de se tratar de um equipamento mais compacto, a necessitar de 11 quilómetros de comprimento, bem menos do que o acelerador principal do CERN, que atinge os 27 quilómetros, também terá impacto na reprodutibilidade da tecnologia. “Estamos muito entusiasmados!”, disse um emocionado Mike Lamont, diretor para os aceleradores do CERN. “É que uma coisa é o Bosão de Higgs, outra são os seres humanos.”
Além dos benefícios para os pacientes, a nova tecnologia tem também o potencial de diminuir o custo dos tratamentos, reforçou Ludovic Le Meunier, da THERYQ, que está envolvido no projeto desde 2013. Espera-se que o protótipo do equipamento esteja operacional a partir de 2025, altura em que começarão a ser feitos os primeiros ensaios clínicos.
Os eletrões de alta energia podem ser focados e orientados de uma forma que é praticamente impossível de conseguir com os raios-X. “O CERN respondeu ao desafio de produzir uma dose elevada de eletrões de alta energia, em menos de 100 milissegundos, tal como é exigido pela radioterapia FLASH, desenhando para isso um acelerador único, baseado na tecnologia CLIC”, explica-se na página de apresentação do projeto.
“O tratamento [com Flashdeep] é mais rápido, mais bem tolerado, abrange mais doentes e é custo-eficaz”, garantiu Le Meunier. “Queremos que esteja disponível para todos os pacientes.”