Não é estranho que na Web Summit o CEO de uma gestora de criptomoedas venha defender que é da tecnologia que virá a solução para a crise climática e para a pobreza no mundo. Aconteceu ontem à tarde, na sessão sobre criptomoedas no Altice Arena, com Pascal Gauthier, da Ledger, a afirmar que “a emissão de criptomoeda consome cada vez menos energia, até menos do que os bancos, se tivermos em conta o edificado e as deslocações dos funcionários.” Agora, ouvir o mesmo tipo de discurso a um executivo da Shell pode parecer mais surpreendente, como admite o próprio Dan Jeavons, responsável pela inovação digital na petrolífera Shell. “Estamos a tentar mudar a nossa imagem e é também por isso que estamos aqui”.
Durante o evento, que está a decorrer em Lisboa até dia 4, a empresa aproveitou para apresentar a sua estratégia de transformação digital que tem um grande foco na inteligência artificial e na tecnologia de blockchain. “A minha equipa está focada em otimizar a IA para diminuir a pegada de carbono e desenhar o futuro do sistema de energia, que terá menos emissões, será mais diversificado, mais distribuído.” É neste contexto, de um mercado energético que inclui diversas formas de produção de energia, múltiplos fornecedores, coletivos e individuais, grandes oscilações – ao nível da produção e também do consumo – que a tecnologia, em particular um sistema de verificação descentralizado, como é a blockchain, se apresenta como a solução ideal. “Traz-nos o benefício de ser transparente, open source, rastreável, muito segura, estando está mais protegida de ciberataques”, enumera Sabine Brink, que conduz as operações relacionadas com blockchain na empresa. A aposta começou em 2016, num momento em que o setor da energia “está a passar por uma enorme transformação”, admite Sabine. “A rede precisa de se manter em equilíbrio. Antes era fácil. Hoje é muito mais complexo.”
Já num artigo publicado em junho, a ONU demonstrava grandes expectativas nesta tecnologia, como forma de reduzir as emissões de gases de efeito de estufa. Notando que os dados sobre emissões não são confiáveis e estão incompletos em muitos países, as soluções de blockchain são apresentadas como uma forma transparente de fornecer registos imutáveis de dados de carbono, além de contribuir para a implementação de medidas de redução do impacto no clima. Além disso, é também uma ferramenta para criar mercados de energia limpa em que por natureza as fontes, como a eólica e o solar, são “intermitentes e descentralizadas.”
Capacidade de armazenamento e flexibilidade na rede são os principais desafios de um setor energético que se quer cada vez mais assente em renováveis. Sobretudo se pensarmos num cenário em que os veículos elétricos vão tomando o lugar dos carros movidos a combustíveis fósseis. “Com o solar ou eólica precisamos de armazenamento em larga escala e flexibilidade na rede quando ocorrem picos”, sublinha Sabine. “Graças ao blockchain, os consumidores, os condutores de veículos elétricos, poderão vir a ser recompensados por armazenarem energia. Os veículos elétricos são como uma bateria grande.”
Apesar de a integração do digital ter começado mais tarde do que noutros setores, nos últimos dois ou três anos a empresa tem feito uma aposta muito forte, recorrendo a sistemas de IA para gerir as operações. Um exemplo disso são os centros digitais localizados em New Orleans, nos EUA, e Bangalore, na Índia. Com esta transformação, que permitiu aumentar a produção e reduzir despesas, a empresa conseguiu poupar dois mil milhões de dólares, em 2020, revela Dan Jeavons à Exame Informática. Otimização de motores, poupança na manutenção, graças à manutenção preditiva (apoiada em sensores que antecipam as falhas), é parte do caminho feito. “Este número é muito representativo do processo de transformação digital pelo qual estamos a passar e também representa poupança de CO2”, observa. “Com apenas um algoritmo, conseguimos reduzir as emissões em 130 mil toneladas por ano”, sublinha. “O equivalente a 27 mil carros de passageiros na Europa, apenas pela redução da chama em motores de Gás Natural Liquefeito.”
A Shell não está presente na cimeira do clima, que está a decorrer em Glasgow. Mas o Web Summit é o sítio certo para se discutir estas questões, defende. “A COP 26 é muito importante, mas o que se passa aqui [no Web Summit] também.” Sem inovação, não há mudança no setor de energia. E todos sabemos que esta é tão necessária como um copo de água no meio do deserto.