O novo neuroestimulador permite, em simultâneo, gerar estímulos e efetuar a leitura do sinal cerebral nas zonas mais profundas do cérebro. A solução foi aprovada para uso humano na Europa em janeiro, mas só em junho um doente com epilepsia recebeu o implante no Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), no Porto, colocando Portugal no mapa como o primeiro país do mundo a fazer este avanço. A monitorização contínua de longo termo, feita ao longo de uma semana, permitiu estudar novas abordagens para a terapia por estimulação adaptativa nesta doença neurológica.
Não existe, até hoje, um entendimento profundo de como a estimulação cerebral profunda (DBS, da sigla em inglês Deep Brain Stimulation) atua nos circuitos neuronais dos doentes. Apesar de ser evidente que em grande parte dos casos em que se efetua a DBS (cerca de 60%) tem resultados positivos, a estimulação é feita de uma forma algo ‘cega’. Apenas 15% deixa de ter crises epiléticas após esta terapia, mas os motivos pelos quais acontece ainda não são claros. Esta nova tecnologia, lançada na Europa pela Medtronic, vai chegar aos EUA depois de aprovada pela FDS no final de junho.
O doente epilético do Porto tornou-se o primeiro do mundo a receber este novo neuroestimulador e a ser monitorizado em contínuo numa unidade de internamento especializado. “Pela primeira vez, com este neuroestimulador, conseguimos medir alterações dos sinais elétricos nas zonas profundas do cérebro e à superfície (usando Eletroencefalografia convencional), e medir os movimentos induzidos por eventos epiléticos em 3D (utilizando a tecnologia 3D vídeo-EEG, desenvolvida pelo INESC TEC) à medida que programávamos diferentes níveis de estimulação cerebral. Também procurámos averiguar que tipo de atividade elétrica medida por este novo neuroestimulador nos pode ajudar a melhor detetar, ou até prever, a ocorrência de crises epiléticas (…) Com este novo neuroestimulador poderemos deixar este paradigma ‘cego’ e avançar para novas abordagens de estimulação ‘adaptativa’ ou ‘reativa’, o que poderá fazer toda a diferença na qualidade de vida dos doentes”, conclui João Paulo Cunha, coordenador do Centro de Investigação em Engenharia Biomédica do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e Professor Associado com Agregação na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
O doente em questão não constitui um bom candidato para a cirurgia ressectiva, ou seja, de remoção da lesão e apresenta melhores hipóteses de controlo da epilepsia através de neuroestimulação, explica o comunicado de imprensa.
“Temos esperança de que esta nova geração de neuroestimuladores possa vir a ser mais eficaz do que as atuais, uma vez que a médio prazo seremos capazes de modular os parâmetros elétricos de estimulação de forma bem individualizada. Para o CHUSJ e para o Centro de Referência de Epilepsia Refratária é motivo de orgulho sermos o primeiro centro nacional (e um dos primeiros mundiais) a utilizar este sistema em benefício dos nossos doentes e o primeiro a nível mundial a fazê-lo num contexto de monitorização vídeo 3D-EEG de longo termo para aprofundarmos as suas possibilidades terapêuticas futuras em parceria científica com o INESC TEC”, destaca Ricardo Rego, coordenador da Unidade de Monitorização de Epilepsia do Serviço de Neurologia do CHUSJ e do Centro de Referência de Epilepsia Refratária.
Os dados obtidos durante uma semana vão ser alvo de estudo aprofundado durante os próximos meses para se analisar a estimulação, os sinais cerebrais profundos, sinais cerebrais superficiais (EEG) e movimento 3D do doente por parte de uma equipa pluridisciplinar.
O plano passa por fazer mais implantes no CHUSJ e colaborar com Hospital Universitário de Tampere (Finlândia) e com o Hospital Universitário de Munique (Alemanha) também nesse sentido.