Não foi um grande salto para o astronauta, porque não havia astronauta a bordo, mas foi igualmente um grande salto para a humanidade. Mas desta vez, o dito que fica para a história foi proferido na madrugada desta quinta-feira, através da agência noticiosa chinesa, que posteriormente viria a proceder a uma remoção de tweets: «A sonda chinesa Chang’e aterrou no lado mais distante da Lua, inaugurando um novo capítulo na história da exploração lunar pela humanidade», confirmou o China Daily.
A confirmação oficial da Administração Nacional Chinesa para o Espaço (ANCE) só viria a ocorrer duas horas depois do primeiro tweet removido pelas agências noticiosas nacionais. Para a história fica: a Chang’e aterrou na mais profunda, antiga – e misteriosa – cratera da Lua às 2h26 de Portugal Continental. A cratera em causa dá pelo nome de Von Kármán e é possivelmente a principal atração científica da Bacia de Aitken, que fica no Polo Sul lunar. Nunca uma potência mundial havia conseguido tal feito – pelo menos de forma suave. Em 1964, a sonda Ranger 4 despenhou-se na mesma cratera, devido a uma avaria, recorda a BusinessInsider.
Apesar do uso corrente, a denominação “lado oculto da Lua” é potencialmente enganadora: além da do uso da palavra “lado” ser questionável, a um objeto esférico, aquela região do satélite natural da Terra na verdade não está submersa em escuridão nem é inacessível – só que. até à data, manteve-se como a região lunar menos conhecida e estudada pela humanidade, devido ao facto de os telescópios óticos não a conseguirém enquadrar.
O feito da ANCE poderá não ser suficiente para ofuscar na totalidade as imagens enviadas para a Terra no primeiro dia do ano pela New Horizons, dando à NASA, dos EUA, um novo máximo de distância no que toca à comunicações com o Espaço, mas já ninguém tem dúvidas de que poderá funcionar como um novo nível na nova corrida ao Espaço.
Os propósitos da missão já estão há muito identificados pelos observadores e analistas internacionais: além de medições e análises da composição mineral, a missão espacial chinesa poderá revelar-se especialmente útil para apurar as origens do satélite natural da Terra.
Dada a profundidade das crateras existentes na Bacia de Aitken , há a expectativa de recolher, com maior facilidade, amostras do subsolo lunar, que poderão ser reveladoras de épocas passadas, relativas à formação da Lua, relata o Guardian.
O facto de haver menos sinais de radio nas imediações também poderá fazer da sonda agora estacionada no lado oculto da Lua um posto avançado para o estudo do Sol, e de outros planetas e estrelas.
A missão Chang’e 4 (Chang’e é o nome de uma deusa da Lua chinesa) iniciou-se com uma descolagem a 7 de dezembro. Antes desta quarta missão, a China já havia enviado para a Lua dois orbitadores (Chang’e 1 e 2) e uma dupla composta por orbitador e sonda com capacidade de aterragem para o lado mais próximo da Terra.
A ANCE optou sempre por uma clara discrição – que contrastou de sobremaneira com o tradicional entusiasmo da congénere americana.
A National Geographic reproduz as palavras de Le Qiao, geólogo lunar na Universidade de Shandong, a título de ilustração do estado de espírito na comunidade científica chinesa: «Pessoalmente, sinto-me bastante entusiasmado e orgulhoso pela aterragem bem sucedida da Chang’e4, uma vez que não se trata apenas de um feito notável, mas também representa várias potencialidades».
No denominado mundo ocidental, a análise extravasa claramente a ciência, como se pode confirmar pelas declarações de Malcolm Davis, analista de Estratégias de Defesa no Instituto Australiano de Políticas Estratégicas, que foram reproduzidas pelo Guardian: «Há muita geopolítica e astropolítica em tudo isto; não se trata apenas de uma missão científica; isto está tudo relacionado com a ascensão da China como superpotência». Para o especialista australiano, as repercussões da chegada ao lado oculto da lua não deverão tardar a produzir efeito na Terra: «Há um grande entusiasmo em torno do programa espacial chinês. Há muito nacionalismo na China, eles veem o papel da China no Espaço como uma parte fulcral da sua ascensão».