Rolf Heuer tem um sotaque que roça o caricato: diz «everivere» quando quer dizer «everywhere»; sai-lhe um “trrrai” quando apenas quer dizer «try». A gramática é imaculada, sem um único erro ou palavra mal aplicada, mas o sotaque revela-lhe as origens. Em qualquer parte do mundo, qualquer pessoa conseguirá descortinar um alemão, apesar de estar a falar em inglês escorreito. O homem que liderou o Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) durante os últimos sete anos pouco se rala com o sotaque. A ciência é a mais universal das línguas, garante na entrevista que concedeu no intervalo de um evento que juntou físicos de vários pontos da Europa na Universidade de Coimbra.
Foi esse espírito universalista que levou o físico alemão a tentar fazer com que o “E” de CERN se tornasse relativo a «everywhere», em vez de «European» e a abrir portas a Israel como estado membro do laboratório.
Ao autor deste texto coube a sorte rara de conseguir uma entrevista exclusiva com o diretor do CERN sem questões combinadas, sem limites de tempo e assessores de imprensa que, por vezes, mandam mais na agenda que os próprios entrevistados.
Ok. Heuer poderá não figurar como o nome mais mediático na física – especialmente quando se procede à comparação com Peter Higgs, o investigador que firmou o nome num bosão, que é considerado a mais elementar das partículas, e que houve quem classificasse como a “partícula de Deus”, inflamando a comunidade científica e desrespeitando a famosa regra da “separação mínima necessária” entre ciência e religião. O que não invalida o seguinte: Rolf Heuer é o homem que liderou a reabilitação do maior acelerador de partículas do mundo, e que aproveitou uma segunda paragem por motivos de manutenção para aumentar o volume de energia usado pelo famoso acelerador de partículas para uns inimagináveis 13 biliões de electronVolts.
Esta entrevista teria tudo para se tornar um passo insignificante para o jornalismo e um passo maior que a perna para o jornalista. Tanto pior. O jornalista teria de encontrar uma forma de se redimir do boicote que autoimpôs às aulas de física nos anos 1980 e, em simultâneo, descobrir questões que fossem inteligíveis para os aficionados das tecnologias, que não têm de ser obrigatoriamente peritos em física das partículas.
Tive sorte. Deve ter sido a entrevista em que recebi mais respostas negativas, mas em nenhuma delas, Rolf Heuer expressou um sinal de desdenho, desprezo ou sequer um piedoso sorriso. Além de cientista, mostrou ser sábio. Fez o seu papel, numa entrevista que poderá ajudar a perceber o motivo por que 21 países se juntaram para investir milhões de euros no maior instrumento científico do mundo que, por ironia científica, é usado para albergar as colisões com as mais ínfimas partículas do universo.
A Exame Informática 241 está a chegar às bancas. Desta vez, contém alguns dos maiores mistérios que a ciência ainda não conseguiu revelar.