Tudo o que era possível ganhar no programa da Comissão Europeia de apoio à investigação Vítor Cardoso já ganhou: começou com uma bolsa de iniciação, depois seguiu-se uma de consolidação e agora veio a avançada, no valor de dois milhões de euros. Professor no Instituto Superior Técnico e investigador do Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA), Vítor Cardoso quer perceber de que matéria são feitos os buracos negros, que leis físicas se manifestam naqueles que são “os objetos mais simples do universo” e ainda como se pode, a partir deste estudo, desvendar um dos grandes mistérios da física, que é a natureza da matéria escura.
E de que forma é que o estudo dos buracos negros – estes objetos estranhos – nos pode ajudar a compreender o mundo? À luz do conhecimento atual, a física que serve para descrever o movimento dos planetas e das estrelas falha quando se chega a um buraco negro. “Uma das questões que queremos perceber é como é que a equação matemática que dá origem aos buracos negros que nós vemos afinal falha no interior deles”, descreve-se no comunicado. Mas apesar de falhar, no seu interior, até agora não tem sido possível observá-lo, já que estes estão como que protegidos por uma espécie de membrana, ou horizonte de eventos, que funciona como uma barreira, de onde nada sai, nem sequer a luz (que equivale a informação). É preciso, portanto, uma nova física para explicar o que se passa nesta parte insondável do Universo. “Sabemos que no seu interior a descrição de Einstein falha, sabemos o que falha. O que não sabemos é se essas falhas se vêm do exterior e qual o remendo”, explica à Exame Informática.
Pelo estudo dos buracos negros, os cientistas esperam ainda ficar a conhecer melhor uma parte da matéria sobre a qual se sabe ainda muito pouco, apesar de representar 27% de tudo o que existe, a matéria escura. “São como partículas elementares, mas com milhões de massas solares, é quase inacreditável!” Esta simplicidade torna-os numa espécie de “laboratório” que permite pesquisar sobre novos fenómenos.
Além da complexa análise teórica, o projeto agora financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC), e que tem o nome de Gravitas, inclui uma importante componente observacional que passa pela utilização de dados de duas grandes experiências: a ngEHT – next-generation Event Horizon Telescope, que permitiu criar a primeira imagem de um buraco negro – e a LISA, de deteção de ondas gravitacionais. Neste caso, o propósito é “usar as ondas eletromagnéticas e gravitacionais para perceber os buracos negros, o local onde estão e quem sabe perceber a matéria escura”, antecipa o investigador do Centro de Astrofísica e Gravitação, CENTRA.
E ainda há espaço para que apareçam outras surpresas, diz Vítor Cardoso. “A própria definição de buracos negros torna impossível ter a certeza absoluta de que existem. O tempo para na sua superfície, portanto necessitamos de um tempo infinito, que não temos, para ter a certeza absoluta de que eles existem”, diz, quando já achávamos que tínhamos percebido tudo. “Mas no tempo finito que temos, conseguimos pelo menos quantificar a existência de buracos negros.”
Para melhor ilustrar este paradoxo, o físico recorda uma discussão da filosofia da Ciência. “Todos os cisnes são brancos. Como é que provamos esta afirmação? Procurando cisnes. Enquanto encontrarmos cisnes brancos, não provamos nada, apenas fortalecemos a crença de que todos os cisnes são brancos. Mas se encontrarmos um cisne rosa, então provamos que a afirmação é falsa”, compara. “A ciência, regra geral, funciona da mesma forma: ou fortalecemos o paradigma, ou o abandonamos. O paradigma de buracos negros é um dos mais fortes em ciência, se encontrássemos um buraco rosa…”
Não é raro as grandes soluções virem de ideias simples. No caso do projeto submetido por Nuno Cardoso Santos, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, parecia tão óbvio que a primeira coisa que fez, quando pensou estudar as irregularidades na atividade do nosso Sol, foi procurar um telescópio que o estudasse recorrendo às incríveis propriedades do observatório ESPRESSO (um espectrógrafo que integra o complexo astronómico do Observatório Europeu do Sul, no Chile). Só que não havia nada do género. O também repetente nestas andanças, que recebeu agora a sua segunda bolsa ERC, no valor máximo disponível de 2,5 milhões de euros, propõe-se a construir um pequeno telescópio, que estará ligado por fibra ótica ao ESPRESSO, maximizando a capacidade de estudar o Sol, em todos os seus comprimentos de onda. A partir daqui, espera-se que o trabalho de pesquisa de planetas extrassolares, em particular de uma nova Terra, a girar em torno de uma estrela semelhante à nossa, seja mais preciso e eficaz porque vai permitir melhorar os métodos de análise de dados.
Atualmente são conhecidos mais de cinco mil planetas a orbitar outras estrelas – uma área de investigação em que Nuno Cardoso Santos é um reconhecido especialista a nível mundial. Alguns destes são inclusivamente rochosos, como a nossa Terra. No entanto, até agora, nenhum destes novos mundos apresenta a distância certa à sua estrela de modo a terem temperaturas amenas, água líquida à superfície e uma atmosfera de nitrogénio e oxigénio.
Com este projeto FIERCE (FInding Exo-eaRths: tackling the ChallengEs of stellar activity, ou encontrar exo-Terras: abordar os desafios da atividade estelar) os astrónomos vão identificar e quantificar o peso do ruído estelar que distorce o espectro e distorce os dados podendo dar origem a falsos positivos. Ou seja, este ruído, com origem na normal atividade da estrela e que resulta por exemplo de um fenómeno magnético, pode ser confundido com a interferência causada pela passagem de um objeto celeste e levar à identificação equivocada de um novo planeta. “Tive esta ideia há algum tempo, fui procurar [um telescópio] e não encontrei nada. Achei extraordinário!”, recorda à Exame Informática, afirmando que “todas as pessoas do meio acham estranho não haver ainda nada assim”. Até porque se trata de um aparelho relativamente simples.
Com a bolsa agora atribuída, e que é “tão importante numa altura em que as fontes de financiamento para a Ciência, em Portugal, são tão escassas”, os astrónomos irão então fabricar um telescópio à medida, bem como os componentes que o ligarão ao espetrógrafo. Tudo será feito em Portugal, montado e testado para então ser enviado para o Chile. E depois… depois é ter olho vivo e cabeça a funcionar para encontrar mais como nós.
Nesta edição, o Conselho Europeu de Investigação recebeu 1735 pedidos de financiamento para Advanced Grants, tendo atribuído um total de 253 – uma taxa de aprovação de apenas 14 por cento. Portugal recebe 3 destes prestigiados financiamentos, sendo a terceira na área da Arqueologia, também no valor de 2,5 milhões de euros, atribuída ao investigador da Universidade do Algarve Nuno Bicho, que pretende estudar as migrações dos primeiros homens, na região que hoje corresponde a Moçambique.
O trabalho de campo decorrerá no centro do país, nas regiões do Limpopo e Save, uma área entre as duas regiões mais importantes para o aparecimento do Homo Sapiens. Serão recolhidos dados arqueológicos, cronológicos e ambientais que poderão esclarecer a forma como o homem partiu de África e se espalhou pelo resto do mundo.