Para simplificação de linguagem vamos chamar-lhe artista. Mas aos 44 anos Tupac Martir já acumulou muitas peles: programador, estudante de psicologia, estudioso da religião e de filosofia, fotógrafo e agora aprendiz de cientista, com carta branca para se imiscuir nos laboratórios de neurociências e de oncologia da Fundação Champalimaud. Durante os próximos meses, o diretor da Satore Studio vai tentar estreitar o diálogo entre a ciência e a arte, perceber como podem ser benéficas uma à outra, num interesse que não apareceu agora. “Mantenho uma visão científica sobre a arte.” Esta visão, que terá começado muito cedo, talvez aos seis anos quando, geek confesso, escrevia linhas de código a papel e caneta que depois, uma vez por semana, na única hora de computador que tinha disponível, corria.
Filho de dois economistas, cresceu no México, até vir viver com a mãe para Itália aos 15 anos. Agarrado a uma câmara fotográfica descobriu a Europa, mas fixou-se nas pessoas, entreteve-se a estudá-las. Do interesse pelo ser, saltou para a psicologia e daí para a filosofia e a religião, tendo a arte como rocha-mãe.

Há pouco mais de um ano decidiu assentar arraiais em Portugal, conduzindo a partir daqui o Satore Studios, que o leva a trabalhar com grandes nomes internacionais do mundo do espetáculo. A sua estreia na Champalimaud está a decorrer esta semana, embora com um espetáculo que começou a ser criado já em 2017, tendo sido exibido para diversas audiências. Cosmos Within Us leva-nos ao mundo de um cérebro preso entre os neurónios ‘estragados’ de um cérebro afetado pela destruição provocado pela Doença de Alzheimer. “Cada espetador vive uma experiência diferente”, conta. Até porque a doença nunca é mencionada ao longo dos 45 minutos de espetáculo (“seria dar muita importância à doença”), que combina realidade virtual, música ao vivo, cheiros. Tudo tratado com a minúcia de um perfecionista. “Para criar os cheiros trabalhamos com um nariz”, conta à Exame Informática.

No final do espetáculo, é comum haver quem chore, quem se reconcilie com o passado ou sinta o impulso para restabelecer relações perdidas. Também não é estranho que só à saída e comparando experiências os espetadores se apercebam de que o que se passou lá dentro foi um mergulho na doença cerebral. “As pessoas apercebem-se de que há uma disparidade entre o que cada um viu e sentiu, que os relatos não coincidem. “É como se tivessem Alzheimer”, revela. Mais do que um espetáculo sobre a doença, é de uma reflexão sobre perda que se trata.
Esta estreia na Fundação também tem o objetivo de criar novos públicos, já que Tupac se compromete a ir mostrando com regularidade o que tem aprendido com o seu mergulho na ciência – “até agora, aprendi que não sei nada”, confessa com uma gargalhada sonora a encher o jardim de inverno. “Quero mostrar o que faço e também mostrar o que aqui se faz.”
Sem desvendar muito do que já tem planeado, avança que se quer dedicar ao estudo da dor. “Quero saber que aspeto e que cor tem a dor.”