O estudo da tomada de decisão é uma das áreas mais importante da Psicologia. Há aquelas escolhas simples: sigo pelo caminho da esquerda ou pela direita, compro a camisola vermelha ou a amarela. E neste caso, os percursos neuronais subjacentes são já bem conhecidos dos neurocientistas. Mas depois há as decisões mais complexas, relacionadas com a vida pessoal, mas também de natureza mais prática. Um exemplo clássico é o conhecido problema do caixeiro-viajante, e suas variações, que se trata essencialmente da escolha do melhor caminho entre vários pontos. Ou as jogadas numa partida de xadrez, que envolve “planeamento, antecipação, conhecimento das regras do jogo”, diz Tiago Quendera, psicólogo e estudante de doutoramento em neurociências na Fundação Champalimaud.
Para perceber melhor o mecanismo cerebral envolvido nestes processos, uma equipa de alunos daquele programa doutoral decidiu criar um jogo de telemóvel que permitisse recolher dados relativamente à tomada de decisão e aprendizagem. “Quando fazemos estas experiências no laboratório, com voluntários, estamos muito limitados em número de pessoas. Por isso decidimos disponibilizar o jogo a todos os que nos quisessem ajudar, resolvendo as tarefas”, explica.
Numa primeira fase, os investigadores contactaram especialistas em desenvolvimento de jogos, mas depois acabaram por ser eles próprios a chegar à formulação final. “Na mão de programadores, o jogo tornava-se mais vistoso, mas perdíamos capacidades analíticas, não nos permitia ter a resposta ao que queríamos”, relata.
Apesar de admitirem que o jogo tem um elevado grau de complexidade, sendo um desafio à persistência dos jogadores – até porque não são fornecidas instruções que permitam chegar a solução – os cientistas esperam atingir os mil downloads. Cada pessoa que dedicar o seu tempo a resolver o puzzle estará a contribuir para o conhecimento científico, numa iniciativa que se costuma chamar de ‘ciência-cidadã’.
Sabemos que vão achar o jogo difícil. Mas para nós também é importante avaliar o processo como as pessoas exploram o jogo. A parte da aprendizagem e as estratégias que utilizam.
Tiago Quendera
A análise dos resultados, relativamente aos quais existe garantia de total confidencialidade, irá permitir comparar as opções dos participantes relativamente à dos sistemas de inteligência artificial, perceber em que fases as pessoas são melhores que as máquinas e até ensinar às máquinas o que podem aprender com o nosso processo mental. “Isto pode ter implicações para o mundo real na condução de veículos autónomos, sistemas de vigilância em controladores aéreos”, exemplifica Tiago Quendera.
O hexxed é gratuito e está disponível para Android e iOS. Mas o grande desafio é os voluntários ficarem tão frustrados com a dificuldade das tarefas, a ponto de desistirem de continuar a jogar. “Sabemos que vão achar o jogo difícil. Mas para nós também é importante avaliar o processo como as pessoas exploram o jogo. A parte da aprendizagem e as estratégias que utilizam”, avança o cientista.
Mesmo com todo o foco mundial no estudo do processo de tomada de decisão, os cientistas ainda estão muito longe de descortinar toda a complexidade do cérebro humano. “Ainda nos falta muito para compreender as decisões mais pessoais.”